A malta ganha barba, ganha espinhas, dores de cabeça, prazos, horas de entrada e horas de saida, ganha até coisas que preferia perder, perde outras que preferia manter para sempre, e sempre sempre, o tempo não pára para pedir licença, do vai e não vai, do que é e não poderá mais deixar de ser.
As roupas trocam-se, os quartos sucedem-se, as prioridades mudam-se, as caras transformam-se, os hábitos vão ganhando uma regularidade nunca antes questionada, deixa tudo de ser tão simples como ir até á escola e ouvir meia duzia de palavras, escrever um sumários e regressar para o mesmo sitio de sempre, ouvir as mesmas musicas, comer o arroz de frango, ver o jornal da noite sentado com o patrão ao lado, mandar vir com o irmão que mexeu na colecção de discos, com a irmã que quer boleia para todo o lado ou simplesmente com o cão que não pára de ladrar lá fora.
As olheiras vão fazendo parte deste dia-a-dia com sentido mas que por vezes trás a angústia de uma bola que rola para a frente, felizmente, mas que por vezes merecia ser a bola de capão que se desgastava no cimento do ringue dos tropas, com o garrafão de cinco litros ao lado das redes furadas e dos bota-fora intermináveis.
Felizmente, continua a haver um dia do ano, em que as sapatilhas rotas, a t-shirt desbotada, o calção furado, a meia com o dedo de fora, a sardinha e a fevera na grelha abrasada, o "OU! PUM PUM!", a peladinha, as silvas e arbustos, o sôr Cunha dos pratos, as malhas no ar, a lerpa, as idas ao café com a bandeja a voar, a reunião quase familiar que nós faz sentir que pertencemos a um lugar especifico, a um núcleo que se mantém duro, que se têm vindo a formar , com perdas e ganhos, mas com o seu sentido no sitio. Houve quem lhe chamasse irmandade, eu fico-me pela amizade.
Desde que existo, me recordo que este dia igualmente existe, sem fábulas ou contos de encantar, tão simples como por um dia deixar tudo para trás, jogar á bola com o meu pai, ver o meu irmão a crescer, a minha irmã a liderar no beat, a minha mãe com uma paz invejável, tudo no seu lugar, tal qual vinte anos atrás quando era apenas eu e a Belinha, o Leão, o Chico, o Júlio, e alguns outros dos quais não me recordo os nomes, só as caras que chamavam por um André bastante perdido e aluado, que corria atrás dos pratos enquanto os chumbos das finanças ainda zumbiam no ar...
Tudo isto porque as partidas são inevitáveis, e um irmão partiu há dias, e só lhe pude dizer aquilo que neste dia faz sentido, aquilo que tenho retirado deste dia mais feliz do ano, aquilo que retenho de um toy story 3 com arrepio na espinha e lágrima no canto do olho, de um comixzone jogado até ato tutano, de um disco de rage against the machine ouvido até riscar, de um martelo a partir um carro de colecção até se mudarem rodas por rolhas, de umas meias nos punhos e umas cuecas na cabeça, de uma bola do barcelona da nike jogada durante quinze dias a fio no relvado cá de casa, ou de um baloiço que é tão digno que não pode ser sbstituido por um saco da everlast... : que mais do que nos valorizarmos, há que manter os nossos valores e crenças.
Pennywise - Yesterdays