domingo, 26 de abril de 2015

PUSH THE SKY AWAY



25 de abril 2015
Sexta feira, 10 de agosto de 2012

EM CANELAS HÁ UM TANQUE
E para lá chegar é preciso guiar como quem guia o mesmo tempo de quem vai para o Porto, pelas curvas do território, sempre a subir, passando as termas, virando na torre, ao passar da curva do penedo, com um farol avariado e outro a funcionar, vamos correndo o asfalto como se de dia se tratasse, não fossem já estes vinte e quatro anos pautados por viagens idênticas, mas muito mais só no Natal e na Páscoa, em que há sempre vontade de cheirar o eucalipto e tomar um sumol no café central.

Depois de estacionado, deixam-se as tralhas pela casa, distribuem-se beijos e abraços de meia-noite, o guardião do espaço escuro chegara, e com ele veio também a vontade de despertar. No café central, há sempre tempo para se tirar mais um café, nem que o chão esteja já todo limpo e as cadeiras todas arrumadas e a máquina de tabaco desligada e os neóns apagados.
Num desses dias encontrei o Tiago, e foi bom conversar sobre os verões de Canelas, dos jogos da bola no pelado do Canelas Futebol Clube, das idas à fruta, das corridas pelos montes abaixo, pelas jogatanas de mastersystem e pelos banhos no tanque. Foi porreiro lembrar o acidente, talvez noventa e quatro, noventa e cinco, em contra mão, estrada fora em direcção à chapa branca do Ford Escort que não vimos a desfazer a curva na mão dele.

E nestas noites de retiro, liga-se a televisão digital terrestre, deixando os documentários da dois soar pela sala a cheirar a fumo da lareira apagada, e, de computador ligado, aprecia-se o silêncio lá de fora, quebrado de quando em vez pelos carros e motas lá da terra.
É reconfortante saber que podemos sempre entrar no portal do tempo e ir até Canelas, comer um arroz malandro e ficar com os dentes entranhados de fios de frango estufado.


E agora patrão? É tempo de ires dar um passeio, por entre as estrelas de Orion, Cassiopeia e Via láctea, a bordo de uma nuvem mágica igual à do Songoku. Com aquela camisa caviada branca e dente de ouro, vais domar dragões e conquistar castelos de areia entre praias desertas com os carneirinhos de espuma a rebentarem nos teus pés.
Vais voltar a caminhar. Seguramente que sim, a correr na imensidão de florestas que ninguém conhece, aventurando-te por aí, perdido como todos os nós, em outras vidas não vividas, que terás agora a oportunidade de testemunhar e experienciar. No teu envelope onde dobras as notas, levas as fotos tipo passe de cada um de nós - que cá ficamos para te ver partir, como quando íamos ao Sá Carneiro ver o teu irmão voar para longe-, com a mala cheia de memórias e a consciência de um dever cumprido, meticulosamente, era após era, etapa após etapa, da tua vida alegre e preenchida.
Vamos poder voltar a brincar no quintal, a partir vazos cheios de terra, vamos ver a relva a crescer no jardim de Penafiel, vais voltar a cortar a buganvília lá de casa e eu vou voltar a apanhar duas bofetadas por isso. Tranquilo, só se perde as que caem fora (no chão). Aquela bicicleta amarela vai continuar a descer rampas e a fazer estragos nos meus pés e joelhos. Prometo!
E o Porto, o nosso Porto, vai voltar a ser campeão. Vais voltar a ir de Renault 10 até às Antas com o tio João e jurar para nunca mais… e vais voltar a dizer Adeus Lisboa que nunca mais te torno a ver.
Voltarás a tocar a viola com o tio Zé Maria e a dar o jeito a todos os que precisam de algo da quitanda em Niterói.
Até vais voltar a ser o cozinheiro da Tropa que tinha cabelo.
Nós vamos cá ficar, abalados – confesso -, mas a Inês e a Rita vão continuar a bailar, sorrindo e encantando mundo fora. O João e o Beto vão continuar como titulares no Nodoas Negras, e visto como a coisa anda, um dia destes ainda dão uma perninha no Dragão e ver se espetamos 5 secos aos lampiões. O Berto vai continuar a ensinar-nos o melhor que sabe, dentro do melhor que sempre soube fazer. As miúdas vão conservar o seu ar jovial de tempos vividos pelos Brasis, como naquela foto da sala do gira-discos, continuando falando da chuva que está caindo lá fora e pedindo-nos para não québrá a vida, pois a vida é bonita djimais para ser quebrada. A dona Zilda vai-lhe dar forte nos cozidos, no arroz douradinho do estrugido e nas papas! No Natal não vais comer a batata com bacalhau dela, mas, de certeza que aí também há bagaço e salpicão. Não te preocupes que eu rapo o tacho!
Eu, avô, vou tentar continuar a ver Mundo, por muito que me sinta perdido quando acho que finalmente me encontrei, neste processo que nos afasta daqueles que realmente fazem a diferença. Despedi-me de ti aqui há atrasado, ainda antes que todos os restantes.
Mas pronto, todos nós sabemos que vais andar ocupado, nessas demandas interestelares, entre alfa e ómega, no lugar que tão bem reservaste ao longo do teu tempo por cá. Mas, vai botando o olho e dando sinal. Tira uns tempitos aqui e ali e carrega no “Pause”, para nos dares aquele toque debaixo da mesa sempre que achares que estamos a falar demais ou a ir por um caminho que não nos reserva o melhor.
Mas não deixes de curtir! Como te escrevi ainda há coisa de algumas linhas atrás, enquanto houver ventos e mar, a gente vai continuar!
Ontem, acordei, tomei um banho de água fria e comi um pão com azeite – nem é pouco mais ou menos como aquele de garrafão que íamos buscar aí à tua garagem, mas aqui também não há manteiga, nem Planta! vê lá tu -, e segui pelo turbilhão até à Faculdade. Apanhei um TucTuc, aqueles triciclos abertos e cheios de quinquilharias penduradas no retrovisor e tablier – como no datesão do Tio Martins – e, com os meus auscultadores no sítio dos ouvidos, escutei uma música de um artista de variedades, daqueles que faz as festas do São Pedro e toca na Agrival, chamado Nicolau das Caves. A música falava sobre empurrar o céu para longe. É isso que vamos fazer por ti, pelos que ficam.
Neste momento sorrio para ti e digo-te até já. Vai orientando por aí as coisas, sem stress e sem pressas. Como diz o outro, em Roma sê Romano. Porta-te bem, que nós vamos tratar das sortes no grilo – este ano não tens de te preocupar com os incêndios! Eh! -, podar a tangerineira sempre que necessário e esperar que a mina não tenha secado com a tua partida. Ah!, vou alinhar a direcçao do Escort e meter ar nos pneus, Aralhe, até vai dar rateres!
Como é que pode, Casinha, podíamos ter andado os dois a fisgar pássaros, a conquistar moças em Canelas – esses olhos profundos como o mundo -, ou em tardes longas de Bisca, Sueca e Dominó. Ao invés disso, falávamos da vida, sentados nos estofos de pano do Escort vermelho, ao lado da capela de S. João, ou enquanto esperávamos que a Avó arranjasse o cabelo.
Oh rapaz, já não consigo escrever mais, as teclas já me fogem das mãos e já não consigo abrir os olhos.

Vais ser o Porto sem Jardel, a cuba sem o Fidel, a Arquitectura sem o Siza.
Mas amanhã há mais…Quim!
Beijo grande,… na careca.


andré


Nick Cave and the Bad Seeds . Push the sky away