domingo, 23 de maio de 2010

LOST IN THE HEADLIGHTS











Alguns retratos. Chegou ao fim, epoca de rescaldo.

Ao Charlie pelo irmão que foi.
Á Inês pela paciencia, e pela irma que tambem foi.
Ao Jelmer pelas conversas e pactos.
Á Paloma pela Mira na Moderna.
Á Natalia pela amizade e companheirismo.
Á Cristina pelo sorriso de miuda e pela inocencia infantil.
Á Helena por me fazer lembrar a minha tia e pela descontração.
Ao Simon pela responsabilidade e educação.

sábado, 22 de maio de 2010

A DELICATE SENSE OF BALANCE


A musica roda alta no velhinho Sony, riscado e com autocolantes, do Sonic, da Zero, Lord ou da Skate of Mind, skateshop londrina onde me aventurei em dois mil e dois, e também parece que foi ontem.


Os carros continuam a circular pela direita, os semaforos já funcionam, as leis da fisica também parecem identicas ás que deixei em fevereiro por cá. O vento sopra, o frio aperta, o cinza do céu lembra-me a holanda. O abraço aqueceu, um corpo, uma presença fisica que aparenta distanciamento, alheio ás luzes e cheiros antigos mas novos. Fala-se Português.



Acordo perturbado, incomodado com algo. A rotina?
Não, ainda não a tenho. O telemóvel continua desligado, continuo a usar o velho/novo tmn que tinha cá para casa, ligo a quem me apetece e só deixo que me ligue quem me apeteça tambem. Parece-me justo, alias, deveria ser sempre assim.

A janela está aberta, os estores e precianas também, o copo de água na mesinha de cabeceira, a roupa da cama desalinhada e ao monte. O quarto continua virado do avesso, espaço a mais, tralha a mais que não preciso, nunca precisei mas que agora faz ainda menos sentido. As paredes continuam tatuadas, continuam com as marcas do tempo que a minha mãe quer apagar, limpar o quartinho do menino, pintar de novo para parecer novo. Não, esquece isso mãe Helena, deixa para lá os lineups, os cartazes e as fotos de guerra, o posteres de bandas e a juventude perdida que ela não vai voltar, mas desaparecer assim, sem dó nem piedade, como quem muda uma camisa ou se esquece de onde vem e o que o moldou, não é vida, será prostituição!

Desço as escadas, abro o frigorifico, que riqueza, o luxo de outrora. Um belo leite com café, pao com manteiga mimosa, a vista, o acordar com a D. Fernanda a dizer que está orada de orada, que a filha anda aflita com o marido da raça filha da puta, e que o gonçalo já anda e diz Nuno, sim, aquele que lhe ofereceu um TUCTUC amarelo que veio da india para enfeitar a prateleira do quarto mas que pronto, afinal tinha-me esquecido que era para o Gonçalo. Erro meu , claro.

Vou até á sala, ligo a televisão, faço um zapping descontrolado, mudo e mudo e mudo, e não muda nada. Continua tudo igual. O goucha continua viadinho como sempre, a colega dele continua histérica, o Jorge Gabriel continua a ver se come a Sonia Araujo e o Hermano José parece que já tem programa novo. O Unas ainda continua a fazer aquele humor apurado, tão apurado que nem ele se lembra do proposito do programa, mas também nao interessa, é o Unas. As noticias da TVI continuam o terror de sempre, e os cenários tambem, o Marcelo continua a olhar pela vida de todos menos pela dele, e parece-me que o queiros ou vai ser Heroi nacional, ou o Camelo que não se chamava Areias, simplesmente Carlos de seu primeiro nome. Mas devem faltar uma serie de coisas que mudaram e eu é que ainda não reparei nelas. Acho que vou-me embora sem reparar nelas, e provavelmente volto e continuo a não notar diferença, porque será?!

Alias, parece-me que nunca sai daqui, que um ano são dois dias e que duas semanas não passam de umas horas. Sentido estranho este do tempo.

O tempo que me leva a pensar que realmente lá não estava assim tão mal, apesar de não estar assim tão bem também. Não tinha telemóvel, ainda que só para as chamadas que desejo, nem cama, ainda que grande demais, ou quarto que tem ar respirável mas não vislumbro as estrelas.
Merda, tempo não voltes, porque se voltasses também nada seria igual nem saberia ao mesmo.
Acho que mais vale olhar para a frente, encarar o passado e marca-lo na pele, ou no coração, bem lá no fundo do peito, sorrir, deixar para trás a magoa ou a tristeza do que foi e não volta mais, pegar na broa e no presunto, comer umas sardinhas de garrafão com a familia e amigos, jogar as bilharadas no taco, beber umas minis , aproveitar o sol e o ar mais limpo de cá, estranhar a falta de ruido, os condutores educados que não buzinam na cidade, o trafico que trava nos vermelhos, ou os bois que não dão prioridade nas rotundas, as vacas que por cá continuam, mas mais impressionante que isso, aproveitar o facto de tudo realmente não sair do seu lugar, pelo bem ou pelo mal, com ou sem pó, as real as it gets.




Ninguem iria compreender.

Seria dificil de explicar, e sinceramente, aqui entre nós, nunca houve uma intenção de o fazer.
O que fora vivido, guardado na memória, quase como uma reliquia, algo intemporal que talvez nunca tenha acontecido.
Hoje, a pressão talvez seja mais forte, provavelmente se as coisas tivessem sido diferentes, se a aterragem tivesse corrido bem, se todas as forças opressoras não o tivessem encostado á parede, se os gritos interiores tivessem sido suficientes para apaziguar o ruído ensurdecedor do silêncio.
O refugio era procurado, ansiado, em todo e qualquer lado que não cheirasse a casa, depois da saudade morrer, da sede e da fome serem saciados, de tudo o que outrora fez falta não fazer mais, e pior que isso, ter perdido o sentido.
O problema é o lapso, temporal ou de memória, ninguém o saberá dizer, aquele que recoloca as coisas no devido lugar, como uma mulher-a-dias que limpa o pó das prateleiras e volta a organizar metodicamente as peças do puzzle em forma de cacos de viagens ou retratos de família ou manuscritos antigos e modernos que vão ritmando as paredes lá de casa. Ao por e repor, esse mesmo gesto, ainda que por segundos, horas, dias ou meses, em casos mais radicais referimos anos ou vidas como medidas de tempo, significa um recomeço instantâneo, como se do mesmo sitio aqueles artefactos não tivessem saído.




esta foi a musica dos Pelican, que me acompanhou durante toda uma India de descobertas, pessoais e transmissiveis, marcantes e que talvez só me aperceba da gravidade da situação quando me aperceber que é impossivel regressar á ilha.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O EXERCICIO

foi o de voltar a delhi nos ultimos dias da aventura, ao mesmo lugar onde tudo começou, depois da espera no aeroporto, do truque do taxista, do desconhecido se abater sobre nós.
A rua nao parecia nojenta, os esgotos pareciam riachos, as vacas apareceram com a naturalidade que os cães aparecem em Portugal, os cheiros eram familiares, o incenso misturado com os escrementos animais, os sacos de lixo rompidos ou simplesmente o lixo sem sacos a povoarem a lama que por vezes se encontrava coberta por uma timida camada de alcatrão.

Os lençois pareciam lavado, dormi de boca aberta e a babar-me, espalhado na cama como o Songoku o bem faria, nao ressonei, mas dormi até a temperatura o permitir, até o sol me acordar de novo, até me lembrar que o regresso estava para breve e que para breve tudo iria desaparecer, como se nunca tivesse acontecido.

Os ruidos lá distantes.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O FRANCIS CORREU EM KATHMANDU


Sai ao final do dia do Florid Hotel, ia com o charles, paramos para comprar umas bolachas de coco, fruto que cai da arvore nao fruto que todos os dias damos, e continuamos pelo Thamel a ver as lojas a reabrirem. Eram seis horas, depois dos motins do dia, a vida ia-se retomar por umas escassas duas horas. O meu alvo era comprar um postal de Kathmandu que tava prometido para o gajo do core la' da terra e o the Tesseract do Alex Garland. Li o The Coma em algumas horas no dia anterior, sou adepto dos filmes que ele fez com o Danny Boyle e queria ler a outra masterpiece do mestre. Fui saltando de loja de livros em loja de livros.

A rua estava movimentada, os botecos casa sim casa sim casa nao, estavam abertos, o artesanato espalhado nas ruas, as roupas penduradas nas portas e portoes de ferro, os mapas e bones e chapeus e chas das indias pontilhavam a ruela.

ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM ZUM

De repente comecaram-se a ouvir berros, cantigos, barafunda. Os lojistas comecaram a recear desacatos, vidros partidos, agressoes, viloencia gratuita a quem nao obedeceu a' paralizacao nacional. Todos os portoes de ferro comecaram a ser encerrados, as pessoas agitaram-se, o ar ficou pesado, eu olhei o final da ruela.

Ai vinham eles, a formarem cordoes humanos, a varrerem a rua, as pessoas recuavam, os turistas com passo rapido mantinham distancia, disparavam uns flashes timidos. Praguejei, deixei a maquina em casa e o filme nao tinha a sensibilidade indicada.
Gelei, voltei a mim, arrepiou-me a tripa, pensei de novo, acordei.
Ja so se viam luzes vermelhas, laranjas, fogo nas tochas dos tumultos, centenas de tochas corriam a rua, e eu primeiro a passo rapido, depois a jogging, depois a Francis Obliculo comecei a puxar pelas pernas. O Charlie concordou que realmente era melhor correr, nao esperar para ver no que dava. Como diria o Vitinho, amandar cos punhos e' uma coisa, biqueirada tambem, mas desde miudo me dizem que se brinco com o fogo mijo na cama a' noite, ou quem brinca com o fogo magoa-se, e nao ha herois.

Teve a sua piada.

Hoje vooei num 757 manhoso da Royal Nepalese Airlines porque o voo da Air India nao foi realizado devido ao motim, que reteu o carro que transportava a crew ate' ao aeroporto. So pensei para mim mesmo que se se tivessem levantado as quatro da manha para apanhar um taxi com o quatro piscas que nao parava em luzes e fazia curvas em contramao benzendo-se de cinco em cinco metros, talvez tivessem chegado a tempo.

Hoje foi o primeiro reencontro. Delhi.
Parece tudo normal, banal, pacato.
Ha tres meses atras deixou-me agarrado as cordas, quase arrumado ao primeiro Round.

Os Adeus ja comecaram, quase terminaram ate'.
Vao comecar os reencontros e com isso os abracos, os beijos e os murros no estomago.



Como estou que pareco um niendertal, vai um cromagnon.

Cro Mags - World Peace



Run Forrest Run poderia tambem ter sido o titulo deste conto.

sábado, 1 de maio de 2010

KATHMANDU - FESTA DO AVANTE









Pois e', nunca fui, nao me pareca que ha de ir, mas como ha coisas ironicas, ela veio at'e mim.
Ontem passei catorze horas na Serra, num Autobus, do Chitwan ate' Kathmandu, das 9:30 da manha ate as 00:30 da madrugada, e engoli muito mas muito gas toxico, muita gasolina e gasoleo e mistura no pulmao.

Enjoei e acho que ja nao gosto mais de cheirar gasolina quando vou as bombas da Cepsa la de penafiel.

O almoco foi feito nas paragens na estrada, nos botecos que se iam encontrado, e foi uma verdadeira prova de bolachas nepalis, desde o classico bombom chocolate ate a' bolacha de Coco ou mesmo a tracidiconal cracker. Nao tinha era cha' para acompanhar. Seria batota se nao dissesse que comi uns egg noodles num restaurante que foi a unica paragem oficial tirando as outras quinhentas nao oficiais ao longo do percurso de duzentos quilometros.

O problema foi a mobilizacao nacional para que no dia 1 todos os vermelhos do pais se juntassem na capital para derrubar o actual regime democratico, e problema foi tambem que muitos habitantes da capital que nao queriam nada com o assunto, com as revoltas e motins, cocktails molotovs e vidros partidos, tenham decidido abandonar o posto e criar um imenso Exodo para fora da cidade. Resumindo, filas interminaveis e sem grande solucao a vista quando as estradas sao piores que a pior nacional portuguesa. Sem exagero. Com mais curvas que a Jenna Jameson nos seus tempos de gloria.

Chegamos a uma cidade deserta, apagao geral e so os taxis ainda estavam acordados.
Crashamos na cama do Florid Hotel, e hoje de manha acordamos com uma cidade calma, a ver o que da'. Pequenos ajuntamentos de manha, tornaram-se grandes manifestacoes na parte da tarde.
Muita policia de choque, muitas bandeiras vermelhas.
A festa do Avante veio e espero eu que nao fique durante muito tempo, muito embora daqui a nada esteja a sair daqui, ainda nao vi por ca o Jeronimo de Sousa mas se o vir pago-lhe um caf'e. Os xutos de pontapes devem abrir amanha o cartaz do festival. Rolling Stones e Guns n Roses estao por confirmar.
A verdade 'e que ate agora tudo esta calmo, andam nas manifes mas sem violencia e so a cantar musicas de amor e liberdade, sixties style.

Tirando a romaria, a cidade e' fantastica, os templos sao geniais e cheios de vida, as pracas sao qualquer coisa de impressionante e estou encantado com Kathmandu. Bom demais, pena termos de pagar para entrar nas varias zonas turisticas da cidade.


Acho que indicado para este cenario, mais que uma musica de revolucao, seria:

Supertramp - Take the long way home

A VIAGEM NO ELEFANTE







De Pokhara segui para o Chitwan National Park.
No panfleto dizia : Viagem de Elefante, Bird Watching, Cannoying, etc etc etc e os Rinocerontes que matam turistas e leoes e leopardos e catatuas e esquilos e ursos e quem sabe dinossauros.
Nao tava muito entusiasmado, so a parte dos rinocerontes que matam turistas anualmente me fascinava, um pouco de aventura off the tourist shaite, mas pronto, era bla bla bla bla e muito bonito, e verde, e toda a gente que vai ao Nepal vai la' e a minha irma ja' la' foi e gostou muito e vais ver que vais adorar e espectaculo digo eu. Ok, desisti, disse que sim, e la fomos os tres Portugas, depois da despedida dos Holandas, os ultimos, e talvez o ultimo grupo deste segundo semestre a desmantelar-se. Lavou-se a roupa suja toda, disseram-se todas as bonitas palavras de despedida, os abracos da praxe, a lagrima nao apareceu mas o recado que tudo o que e' bom acaba depressa estava la. Adiante as lamechices, chegamos ao park, entramos no jipe Suzuki Samurai que tava bem mais partido que o do Pintado, e lembrei-me daquela noitada em Abragao a' beira rio a falar sobre a vida e a correr atras do padeiro que ja andava a distribuir pao pelas portas. Soube bem recordar.

O prato principal veio logo as quatro horas. Andar de elefante.
Nao, nao vou ao circo, nao defendo a exploracao animal, nao fiquei muito feliz por estar a ser carregado pelo pobre animal que mais nada fez na vida que aturar turistas brancos, gordos, de calcoes acima do joelho, binoculos ao peito e oculos da Oakley amarelos. Mas tambem acho que ha elefantes bem mais explorados, bem mais mal tratados e estourados que aqueles, e que no fundo, ja carregaram mil vezes o meu peso e dos meus amigos de sangue portugas. Vidas, dilemas aparte, la fui eu qual Subrho, qual Fritz a montar o Salomao que no final se tornou Solimao, pelas florestas do Nepal. Passamos o Rinoceronte, os outros duzentos estavam de folga e so um se dignou a aparecer para que a viagem nao fosse ainda mais frustrante e ediota, mesmo estilo turista europeu de primeira linha que compra os packs comerciais onde vai tirar a aventura a martelo, e de canivete e lanterna no bolso dos shortes.
Estava tudo muito bem ate que comecou a chover, e a chover, e a chover, e a chover, e a trovejar e a ventar. E pronto, foi o pe' demo'nio, o Deus ma livre, o apocalipse.
Nestes paises os cabos electricos andam por cima, nao por baixo, e como eu neste caso estava em cima e a andar por cima a uns escassos centimetros dos mesmos cabos que ja encabaram muito boa gente e muita parte do mundo, tive muito receio e diria mesmo que quase me caguei mais que o Elefante durante a longa viagem de trinta minutos, e pensei que se nao fosse um raio, uma arvore, um raminho, ou simplesmente o elefante tombar por cima de nos, podia ser um dos cabos que andavam a baloicar ao bom estilo de um salto a' corda que me ia torrar. Estou mais preto com o sol que apanhei, arriscava-me a ficar torrado.

Um banho brutal, ensopou tudo o que havia para ensopar e se a maquina fosse digital de certeza que nao a tinha a funcionar. Como ja nao tenho nada comigo de valor, so a maquina correu riscos e perigos de vida. Abandonei pois claro, nao tinha consulta as cinco, mas tinha de mudar de roupa ou entao ia passar a noite a Benuroes e familia. Falando em familia, a minha avo diria que iria apanhar uma Pneumonite.

Foi como aqueles dias de verao em que se monta a festa toda e depois vem a chuva e estraga tudo, ou mesmo de inverno outono ou primavera, porque estas coisas acontecem com frequencia e realmente, estragam a festa toda. Se era uma festa neste caso, nunca o saberei, ja comecava a ficar com calos no redondo e nao e' confortavel e nao me deixou de consciencia leve.

Dormi e esperei que o dia trouxesse o bus para Kathmandu, de seis horas.

KF - Vacation Spot