25
de abril 2015
Sexta feira, 10 de
agosto de 2012
E para lá chegar é preciso guiar
como quem guia o mesmo tempo de quem vai para o Porto, pelas curvas do
território, sempre a subir, passando as termas, virando na torre, ao passar da
curva do penedo, com um farol avariado e outro a funcionar, vamos correndo
o asfalto como se de dia se tratasse, não fossem já estes vinte e
quatro anos pautados por viagens idênticas, mas muito mais só no Natal e
na Páscoa, em que há sempre vontade de cheirar o eucalipto e tomar um sumol no
café central.
Depois de estacionado, deixam-se as tralhas pela casa, distribuem-se beijos e abraços de meia-noite, o guardião do espaço escuro chegara, e com ele veio também a vontade de despertar. No café central, há sempre tempo para se tirar mais um café, nem que o chão esteja já todo limpo e as cadeiras todas arrumadas e a máquina de tabaco desligada e os neóns apagados.
Num desses dias encontrei o Tiago, e foi bom conversar sobre os verões de Canelas, dos jogos da bola no pelado do Canelas Futebol Clube, das idas à fruta, das corridas pelos montes abaixo, pelas jogatanas de mastersystem e pelos banhos no tanque. Foi porreiro lembrar o acidente, talvez noventa e quatro, noventa e cinco, em contra mão, estrada fora em direcção à chapa branca do Ford Escort que não vimos a desfazer a curva na mão dele.
E nestas noites de retiro, liga-se a televisão digital terrestre, deixando os documentários da dois soar pela sala a cheirar a fumo da lareira apagada, e, de computador ligado, aprecia-se o silêncio lá de fora, quebrado de quando em vez pelos carros e motas lá da terra.
Depois de estacionado, deixam-se as tralhas pela casa, distribuem-se beijos e abraços de meia-noite, o guardião do espaço escuro chegara, e com ele veio também a vontade de despertar. No café central, há sempre tempo para se tirar mais um café, nem que o chão esteja já todo limpo e as cadeiras todas arrumadas e a máquina de tabaco desligada e os neóns apagados.
Num desses dias encontrei o Tiago, e foi bom conversar sobre os verões de Canelas, dos jogos da bola no pelado do Canelas Futebol Clube, das idas à fruta, das corridas pelos montes abaixo, pelas jogatanas de mastersystem e pelos banhos no tanque. Foi porreiro lembrar o acidente, talvez noventa e quatro, noventa e cinco, em contra mão, estrada fora em direcção à chapa branca do Ford Escort que não vimos a desfazer a curva na mão dele.
E nestas noites de retiro, liga-se a televisão digital terrestre, deixando os documentários da dois soar pela sala a cheirar a fumo da lareira apagada, e, de computador ligado, aprecia-se o silêncio lá de fora, quebrado de quando em vez pelos carros e motas lá da terra.
É reconfortante saber que podemos
sempre entrar no portal do tempo e ir até Canelas, comer um arroz malandro e
ficar com os dentes entranhados de fios de frango estufado.
E agora patrão? É tempo de ires dar um passeio,
por entre as estrelas de Orion, Cassiopeia e Via láctea, a bordo de uma nuvem
mágica igual à do Songoku. Com aquela camisa caviada branca e dente de ouro, vais
domar dragões e conquistar castelos de areia entre praias desertas com os
carneirinhos de espuma a rebentarem nos teus pés.
Vais voltar a caminhar. Seguramente que sim, a
correr na imensidão de florestas que ninguém conhece, aventurando-te por aí,
perdido como todos os nós, em outras vidas não vividas, que terás agora a
oportunidade de testemunhar e experienciar. No teu envelope onde dobras as
notas, levas as fotos tipo passe de cada um de nós - que cá ficamos para te ver
partir, como quando íamos ao Sá Carneiro ver o teu irmão voar para longe-, com
a mala cheia de memórias e a consciência de um dever cumprido, meticulosamente,
era após era, etapa após etapa, da tua vida alegre e preenchida.
Vamos poder voltar a brincar no quintal, a
partir vazos cheios de terra, vamos ver a relva a crescer no jardim de Penafiel,
vais voltar a cortar a buganvília lá de casa e eu vou voltar a apanhar duas bofetadas
por isso. Tranquilo, só se perde as que caem fora (no chão). Aquela bicicleta
amarela vai continuar a descer rampas e a fazer estragos nos meus pés e
joelhos. Prometo!
E o Porto, o nosso Porto, vai voltar a ser
campeão. Vais voltar a ir de Renault 10 até às Antas com o tio João e jurar
para nunca mais… e vais voltar a dizer Adeus Lisboa que nunca mais te torno a
ver.
Voltarás a tocar a viola com o tio Zé Maria e a
dar o jeito a todos os que precisam de algo da quitanda em Niterói.
Até vais voltar a ser o cozinheiro da Tropa que
tinha cabelo.
Nós vamos cá ficar, abalados – confesso -, mas
a Inês e a Rita vão continuar a bailar, sorrindo e encantando mundo fora. O
João e o Beto vão continuar como titulares no Nodoas Negras, e visto como a coisa
anda, um dia destes ainda dão uma perninha no Dragão e ver se espetamos 5 secos
aos lampiões. O Berto vai continuar a ensinar-nos o melhor que sabe, dentro do
melhor que sempre soube fazer. As miúdas vão conservar o seu ar jovial de
tempos vividos pelos Brasis, como naquela foto da sala do gira-discos, continuando
falando da chuva que está caindo lá fora e pedindo-nos para não québrá a vida,
pois a vida é bonita djimais para ser quebrada. A dona Zilda vai-lhe dar forte
nos cozidos, no arroz douradinho do estrugido e nas papas! No Natal não vais
comer a batata com bacalhau dela, mas, de certeza que aí também há bagaço e salpicão.
Não te preocupes que eu rapo o tacho!
Eu, avô, vou tentar continuar a ver Mundo, por
muito que me sinta perdido quando acho que finalmente me encontrei, neste
processo que nos afasta daqueles que realmente fazem a diferença. Despedi-me de
ti aqui há atrasado, ainda antes que todos os restantes.
Mas pronto, todos nós sabemos que vais andar
ocupado, nessas demandas interestelares, entre alfa e ómega, no lugar que tão
bem reservaste ao longo do teu tempo por cá. Mas, vai botando o olho e dando
sinal. Tira uns tempitos aqui e ali e carrega no “Pause”, para nos dares aquele
toque debaixo da mesa sempre que achares que estamos a falar demais ou a ir por
um caminho que não nos reserva o melhor.
Mas não deixes de curtir! Como te escrevi ainda
há coisa de algumas linhas atrás, enquanto houver ventos e mar, a gente vai
continuar!
Ontem, acordei, tomei um banho de água fria e
comi um pão com azeite – nem é pouco mais ou menos como aquele de garrafão que íamos
buscar aí à tua garagem, mas aqui também não há manteiga, nem Planta! vê lá tu
-, e segui pelo turbilhão até à Faculdade. Apanhei um TucTuc, aqueles triciclos
abertos e cheios de quinquilharias penduradas no retrovisor e tablier – como no
datesão do Tio Martins – e, com os meus auscultadores no sítio dos ouvidos,
escutei uma música de um artista de variedades, daqueles que faz as festas do
São Pedro e toca na Agrival, chamado Nicolau das Caves. A música falava sobre
empurrar o céu para longe. É isso que vamos fazer por ti, pelos que ficam.
Neste momento sorrio para ti e digo-te até já.
Vai orientando por aí as coisas, sem stress e sem pressas. Como diz o outro, em
Roma sê Romano. Porta-te bem, que nós vamos tratar das sortes no grilo – este
ano não tens de te preocupar com os incêndios! Eh! -, podar a tangerineira
sempre que necessário e esperar que a mina não tenha secado com a tua partida. Ah!,
vou alinhar a direcçao do Escort e meter ar nos pneus, Aralhe, até vai dar
rateres!
Como é que pode, Casinha, podíamos ter andado
os dois a fisgar pássaros, a conquistar moças em Canelas – esses olhos profundos
como o mundo -, ou em tardes longas de Bisca, Sueca e Dominó. Ao invés disso, falávamos
da vida, sentados nos estofos de pano do Escort vermelho, ao lado da capela de
S. João, ou enquanto esperávamos que a Avó arranjasse o cabelo.
Oh rapaz, já não consigo escrever mais, as
teclas já me fogem das mãos e já não consigo abrir os olhos.
Vais ser o Porto sem Jardel, a cuba sem o
Fidel, a Arquitectura sem o Siza.
Mas amanhã há mais…Quim!
Beijo grande,… na careca.
andré
Nick Cave and the Bad Seeds . Push the sky away