Como diria Dr.Pedro Cardoso Ribeiro, ca Vietname que para aqui vai. Duas horas de espera por uma camionete que já trás no pack outras vinte e quatro até Saigon. Fomos para a cozinha, pedimos um canivete emprestado ao individuo quase albino que partilhava o beliche com a malta e lancamos mao a obra. Era o cavaleiro da Dinamarca. Basicamente tínhamos comprado fruta, e não, não a podíamos ter descascado lá fora na tranquilidade, ou e dificil ou nao vale o esforco. Deu a fome de manga já dentro da carripana, tipo miúdos com sono que não sabem o que querem. Dotes de faquiri e a borboleta até cantou a laminar manga enquanto subiamos aos trinta centímetros de cada vêz que lomba sim lomba sim, ditava a estrada perdida. Assim arrancava a especial Hoi An Saigon, desta vez com Armindo Araújo ao volante - temos tido a felicidade de encontrar ases do volante, aos molhos e ao molho-, a derreter a embraiagem, pneus, chassis e o que mais viesse, na tentativa de ganhar metros aos restantes veículos. Nem pregava olho com a noção de velocidade e descontrole, e quando pregava, so via as ribanceiras e as grelhas dos camions em sentido contrario. Ah Piloto. No dia anterior e sem que nada o fizesse prever, alem de coleccionarmos mais uma personagem digna de figurar no capitulo do Tamzid e Raymond, acabamos por ter um dos dias mais preenchidos so far. Percurso Top Gear entre Hue e Hoi An, de Motinha - plug and play, scooter maria maria I like it loud -, gás colado, paisagens de arrepiar e sentimento de libertação total. O Uy, além de grande guia, foi grande anfitrião. Começamos a emborcar pouco depois da partida, num tasquito de beira da estrada. Noodles e salsicha, sumo de cana de açúcar. Parecia que não comia há eras. E a sede era sempre mais que muita. Seguimos pelas lagoas e montanhas até as quedas de água. Por uma estrada estreitinha, e pensava eu que ia ser algo bastante privado, sem que nenhum sinal expectavel da futura troca de Bacalhaus e abraços. So faltou o discurso e a música dos vangellis a tocar no altifalante. Gente e mais gente, num acampamento que se ia espalhando encosta acima, ocupando-se das represas e das aguas em redor. Ate o grupo de artistas de variedades que entretinham a malta, quando deram pelas aves raras, começaram a destrocar os cantares à desgarrada e as cervejas, abracos, fotos, lombo e vitela, costelinha, franca espanha tudo, vieram ao nosso encontro. Em troca, so tivemos de dar o nome e o Pais. Calisto diziam eles! Cristiano diziam outros. As asual.
Foi dificil largar o spot, era bom demais. Cama a marinheiro e calorosa recepcao. Mas era tempo de zarpar para mais asfalto e percurso de montanha. O casal de ingleses ja sabia para o que ia, mas nos, no acidental acaso, nao faziamos ideia da brutalidade que nos esperava. O Top Gear ja tinha feito um especial Vietname por estas estradas fora, e um dos hotspots era a ligacao entre Hue e Hoi an. De partir a pila ao cavalo.
Eram as vistas, as varias praias, as aldeias de pescadores, e os tasquinhos. Paramos para tachar no Ramirinho de Pieres la do sitio, apinhado de gente e sem turistas, cena local, com mariscada e muito caril e chilli. Mais uma overdose, comida como mato, mais sumo de limao e mais comida. Sempre a levar com o ventinho na tromba, ate nos esquecemos do escaldao que ia nascendo nas pernas e bracos. Estava tudo incluido no que preco acordado. Once more.
Este Pais tem destas coisas incriveis, lugares de tirar a respiracao, completamente esquecidos do mundo, sem placards turisticos, sem menus em ingles, sem nocao mesmo. Uma vida pacata, ligada a agro pecuaria, a pesca, a tudo aquilo que na Europa foi esquecido e trocado pelo hipermercado, pela hiperfabrica, pela hiperrapidez, pela hipercomunidade europeia, pelos hiperfundos, pelos hiperapoios e hipermerdas. Que se foda a nossa sorte, a higiene e seguranca no trabalho, os subsidios, os seguros, a perspectiva de vida. Por ca tudo esta ao contrario, e ninguem parece importar-se muito com tal coisa.
Podia tentar espremer mais as palavras para transmitir o transcendente da coisa, mas nao esta facil. Lembrou-me a estrada entre Porto e Entre-os-rios, com os separadores velhinhos caiados de branco e vermelho, so asfalto, mato e rio. A meio do caminho passamos pela nossa camionete da Camelo Viagens, a que supostamente perdemos no dia anterior e voltamos a perder, desta vez propositadamente, para fazer este troco com a calma necessaria para levarmos mais vietname para casa.
Chegamos a Hoi An com as lanternas acesas, na vila tudo parecia de uma escala de aldeia, sem grande compromisso com o turismo, com tudo mais intenso que noutros lugares que tinhamos visitado, mas sem estragar o ambiente altamente pituresco da ria, da ponte e das casinhas de pescadores, com o centro imaculado como em qualquer cidade da Europa que esteja habituada a receber gentes la de fora.
Voltamos as horas infindaveis de sleeperbus, sendo a mota ja uma miragem no horizonte, e as series e filmes chineses com traducoes terriveis em vietnamita, bombadas com decibeis a mais para quem quer dormir, mais o motor e as reducoes rompantes do piloto, a soarem como sorround impossivel para poder ouvir as cantigas que trouxemos para a viagem. 'E um constante all in, do ou comes ou deixas na borda do prato, com a diferenca que nao tens muito por onde escolher, ou comes, ou comes com duas chapadas e nem piu.
Chegados a Saigon, nem napalm consegue tirar as comichoes e matar o acaro que vive em campos de refugiados espalhados pelas canelas e costas depois de tanta paisagem vista janela fora em lugares que vao transformando ao longo dos kms, de albergue a 2001 odisseia no espaco.
E apesar de tudo ser idilico ate ao ponto em que doi - nunca sabemos ate onde aguentamos o passaporte no bolso ou a comida nao fura a parede gastrica-, e' sempre bom manter a cautela com becos que se transformam em fornalhas a ceu aberto, sedentas de carne ocidental, mais tenra, menos acostumada, supafresh e com cartoes e carteiras prontas a debitarem dolla dolla.
Viagens assim dao trabalho, mas so o suficiente para podermos ver o que vemos e sentir tanta coisa que se torna impossivel guardar tudo bem guardadinho no sotao dos recuerdos.
D'a vontade de carregar no pause ou no stop , voltar para a vida rotineira e real de Penafiel, e quando estivermos novamente cansados da repeticao - como levar a sandes para o estadio, bem guardada no bolso do casaco, e ir comendo ao poucos para nao matar a fome toda da mesma vez- voltar a carregar play e respirar mais um bocado de ar puro e mistura enquanto se mastigam os mesmos noodles de ha quinze dias para c'a.
Cold World - Copernicus
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