segunda-feira, 2 de junho de 2014

Faquirs do asfalto


Como diria Dr.Pedro Cardoso Ribeiro, ca Vietname que para aqui vai. Duas horas de espera por uma camionete que já trás no pack outras vinte e quatro até Saigon. Fomos para a cozinha, pedimos um canivete emprestado ao individuo quase albino que partilhava o beliche com a malta e lancamos mao a obra. Era o cavaleiro da Dinamarca. Basicamente tínhamos comprado fruta, e não, não a podíamos ter descascado lá fora na tranquilidade, ou e dificil ou nao vale o esforco. Deu a fome de manga já dentro da carripana, tipo miúdos com sono que não sabem o que querem. Dotes de faquiri e a borboleta até cantou a laminar manga enquanto subiamos aos trinta centímetros de cada vêz que lomba sim lomba sim, ditava a estrada perdida. Assim arrancava a especial Hoi An Saigon, desta vez com Armindo Araújo ao volante - temos tido a felicidade de encontrar ases do volante, aos molhos e ao molho-, a derreter a embraiagem, pneus, chassis e o que mais viesse, na tentativa de ganhar metros aos restantes veículos. Nem pregava olho com a noção de velocidade e descontrole, e quando pregava, so via as ribanceiras e as grelhas dos camions em sentido contrario. Ah Piloto. No dia anterior e sem que nada o fizesse prever, alem de coleccionarmos mais uma personagem digna de figurar no capitulo do Tamzid e Raymond, acabamos por ter um dos dias mais preenchidos so far. Percurso Top Gear entre Hue e Hoi An, de Motinha - plug and play, scooter maria maria I like it loud -, gás colado, paisagens de arrepiar e sentimento de libertação total. O Uy, além de grande guia, foi grande anfitrião. Começamos a emborcar pouco depois da partida, num tasquito de beira da estrada. Noodles e salsicha, sumo de cana de açúcar. Parecia que não comia há eras. E a sede era sempre mais que muita. Seguimos pelas lagoas e montanhas até as quedas de água. Por uma estrada estreitinha, e pensava eu que ia ser algo bastante privado, sem que nenhum sinal expectavel da futura troca de Bacalhaus e abraços. So faltou o discurso e a música dos vangellis a tocar no altifalante. Gente e mais gente, num acampamento que se ia espalhando encosta acima, ocupando-se das represas e das aguas em redor. Ate o grupo de artistas de variedades que entretinham a malta, quando deram pelas aves raras, começaram a destrocar os cantares à desgarrada e as cervejas, abracos, fotos, lombo e vitela, costelinha, franca espanha tudo, vieram ao nosso encontro. Em troca, so tivemos de dar o nome e o Pais. Calisto diziam eles! Cristiano diziam outros. As asual.
Foi dificil largar o spot, era bom demais. Cama a marinheiro e calorosa recepcao. Mas era tempo de zarpar para mais asfalto e percurso de montanha. O casal de ingleses ja sabia para o que ia, mas nos, no acidental acaso, nao faziamos ideia da brutalidade que nos esperava. O Top Gear ja tinha feito um especial Vietname por estas estradas fora, e um dos hotspots era a ligacao entre Hue e Hoi an. De partir a pila ao cavalo.
Eram as vistas, as varias praias, as aldeias de pescadores, e os tasquinhos. Paramos para tachar no Ramirinho de Pieres la do sitio, apinhado de gente e sem turistas, cena local, com mariscada e muito caril e chilli. Mais uma overdose, comida como mato, mais sumo de limao e mais comida. Sempre a levar com o ventinho na tromba, ate nos esquecemos do escaldao que ia nascendo nas pernas e bracos. Estava tudo incluido no que preco acordado. Once more.
Este Pais tem destas coisas incriveis, lugares de tirar a respiracao, completamente esquecidos do mundo, sem placards turisticos, sem menus em ingles, sem nocao mesmo. Uma vida pacata, ligada a agro pecuaria, a pesca, a tudo aquilo que na Europa foi esquecido e trocado pelo hipermercado, pela hiperfabrica, pela hiperrapidez, pela hipercomunidade europeia, pelos hiperfundos, pelos hiperapoios e hipermerdas. Que se foda a nossa sorte, a higiene e seguranca no trabalho, os subsidios, os seguros, a perspectiva de vida. Por ca tudo esta ao contrario, e ninguem parece importar-se muito com tal coisa.
Podia tentar espremer mais as palavras para transmitir o transcendente da coisa, mas nao esta facil. Lembrou-me a estrada entre Porto e Entre-os-rios, com os separadores velhinhos caiados de branco e vermelho, so asfalto, mato e rio. A meio do caminho passamos pela nossa camionete da Camelo Viagens, a que supostamente perdemos no dia anterior e voltamos a perder, desta vez propositadamente, para fazer este troco com a calma necessaria para levarmos mais vietname para casa.
Chegamos a Hoi An com as lanternas acesas, na vila tudo parecia de uma escala de aldeia, sem grande compromisso com o turismo, com tudo mais intenso que noutros lugares que tinhamos visitado, mas sem estragar o ambiente altamente pituresco da ria, da ponte e das casinhas de pescadores, com o centro imaculado como em qualquer cidade da Europa que esteja habituada a receber gentes la de fora. 
Voltamos as horas infindaveis de sleeperbus, sendo a mota ja uma miragem no horizonte, e as series e filmes chineses com traducoes terriveis em vietnamita, bombadas com decibeis a mais para quem quer dormir, mais o motor e as reducoes rompantes do piloto, a soarem como sorround impossivel para poder ouvir as cantigas que trouxemos para a viagem. 'E um constante all in, do ou comes ou deixas na borda do prato, com a diferenca que nao tens muito por onde escolher, ou comes, ou comes com duas chapadas e nem piu.
Chegados a Saigon, nem napalm consegue tirar as comichoes e matar o acaro que vive em campos de refugiados espalhados pelas canelas e costas depois de tanta paisagem vista janela fora em lugares que vao transformando ao longo dos kms, de albergue a 2001 odisseia no espaco. 
E apesar de tudo ser idilico ate ao ponto em que doi - nunca sabemos ate onde aguentamos o passaporte no bolso ou a comida nao fura a parede gastrica-, e'  sempre bom manter a cautela com becos que se transformam em fornalhas a ceu aberto, sedentas de carne ocidental, mais tenra, menos acostumada, supafresh e com cartoes e carteiras prontas a debitarem dolla dolla.
Viagens assim dao trabalho, mas so o suficiente para podermos ver o que vemos e sentir tanta coisa que se torna impossivel guardar tudo bem guardadinho no sotao dos recuerdos. 
D'a vontade de carregar no pause ou no stop , voltar para a vida rotineira e real de Penafiel, e quando estivermos novamente cansados da repeticao - como levar a sandes para o estadio, bem guardada no bolso do casaco, e ir comendo ao poucos para nao matar a fome toda da mesma vez- voltar a carregar play e respirar mais um bocado de ar puro e mistura enquanto se mastigam os mesmos noodles de ha quinze dias para c'a.




Cold World - Copernicus












Nenhum comentário:

Postar um comentário