Há dias em que não há nada.
Há dias em que o cão ladra da mesma maneira, o café sabe ao de sempre, a comida está bem de sal como em todos os outros dias, o futebol joga-se às 17:30 no ringue de Santa Luzia, o irmão chega às 19:00 a Novelas, breaking down continua em streaming no tubo, o portfólio está quase quase feito e a noite chega e as horas chegam e vêm e sente-se o vazio de chegarem e partirem e de novo dia esperar de manhã.
Há imensos destes dias, destas ocasiões, nas quais me retiro e me coloco de mochila, nos confins da América do Sul, ou em viagens intermináveis em comboios nocturnos por esse Vietname fora, ou por de entre multidões na Praça Vermelha.. sempre sempre, longe daqui, com saudade daqui, com saudade do de lá de fora, com o sangue a polvilhar as guelras, a respiração ofegante de quem corre uma maratona sem se levantar da cadeira de escritório, de quem escreve e escreve estando lá e estando cá, vendo aquilo olhando para isto, reflectindo sobre muita coisa ao mesmo tempo que agarra o punhado de todas as outras que diariamente possuí.
Fechando os olhos, vejo os banhos de mangueira no jardim, ou a piscina de plástico azul remendada com pensos, as idas à ameixoeira, as cuecas na cabeça e os power rangers, os offspring a tocarem na garagem, o ghostclub.
"1º Quero ser boa pessoa. 2º Quero ser bom aluno. 3º Quero uma Megadrive."
E depois há os raros, aqueles que em cinco minutos nos poem a par da impar situação que nos oferecem, seja a poeira do deserto ou as infurtunas selvas tropicais, o chão desaparece por debaixo e continuamos no mesmo sitio e em queda livre, a escrever a escrever, a perguntar por mais, como se um portal para outra dimensão tivesse aberto em nós o desconhecido e a vontade de o percorrer, ainda que sabendo, por experiências prévias, que esses primeiros passos serão fatalmente intoleráveis e amargos, arrepiantes sussurros nocturnos que teimam em ficar.
E nesses dias, que jogamos ao bingo, ou ao totoloto, ou às cruzinhas, e vamos enganando os sims e os nãos, vamos empurrando para a frente a decisão de mudar ou não a vida que temos. Para melhor, ou para pior. Para qualquer outra coisa, lembrando do quão estática e previsivel ela parecera no dia anterior, e no quão revoltados pareciamos estar quando a pensavamos assim, parada, paulatinamente esperando que o buraco dimensional se abrisse.
Hoje um desses portais abriu-se.
Bom ou mau?
Sei lá se é o chinês se é o caralho.
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