quarta-feira, 31 de outubro de 2012

INCESSANTE GUADALAJARA p.1


Está escuro. Um ruído em constante pronunciação ecoa no meu ouvido, agudo e chato, assim me estala os tímpanos e me rompe a concentração. Não sei por quanto tempo dormi, nem sei que porra estou aqui a fazer, deitado e amordaçado, com o cimento a romper-me a nuca e as ratazanas a troçarem de mim. A cabeça está partida em dois, lambo os lábios e sabe-me a sangue fresco que ainda percorre os espaços entre a barba espessa e farta que me envolve. Não tenho tido grande sorte, grande vida, ou merda alguma, não têm sido dias fáceis, não me tem corrido de feição, mas também não é que fosse caso para tanto. Hoje exagerei, ou exageraram, ou exageraste, Cristo que já não olhas por mim há algum tempo, aliás, Eras que já ganharam pó de tanto desconcertante consolo abandonado.
E que fiz eu? Ou de que é que me lembro?
Hmmm.
Estava adoçado ao encosto de tecido rompido do velho mercedes C 190 amarelo e preto, interiores com o falso brilho dos produtos de limpeza auto, as caveiras e cruzes e cristos e avés marias a penderem do retrovisor, o rádio a tocar baixinho na Mariachi FM, guitarra sobre guitarra, mambo sobre mambo. As putas amontoavam-se na rua adjacente, acenavam-me, diziam olá, cravavam um cigarro ou duas de conversa, conhecia a grande maioria delas, entre vueltas e vueltas, quecas consentidas no banco de trás com gordos magros velhos novos leprosos ou chulos de outras galdérias, com ou sem a minha ajuda, com ou sem pé de dança, interessava-lhes o meu banco de trás e interessavam-me uns pesos a mais nem que isso significasse fazer do taxi motel, melhor, das tripas coração, literal, pau para todo o trabalho.
Deu-me a fome, fui comer um taco ao "Godzilla", local de paragem de indivíduos pouco receitados pela sociedade em geral. Desde os tarados aos sequestradores, tudo por lá parava, como moscas a pousar em carne acabada de cortar, ou restos de lixo, ou esterco ao ar livre. Mas o fundo, e ainda que mal dizendo do serviço e espaço da lanchonete (já chamei piores nomes a espeluncas mais apresentáveis) eu sentia-me bem ali, aspirando a ligeiramente superior aos restantes, se por ser condutor de táxi, taxista de minha profissão? Não. Acho que era mais pelo simples facto de feitas as contas não ser mau diabo, não pactuar com o tráfico, não andar atrás de criancinhas (sempre preferi as mães), não alinhar em esquemas que trouxessem mal ao mundo, e apenas me importar fazer o meu trabalho. Se já chulei clientes? Se já cobrei o dobro a gringos? Se já fiz desvios sem sentido algum para ganhar mais uns trocos? Quem não o faz ou o fez? O inferno queima o quanto mais tu quiseres que ele queime e sempre que se arranja um pequeno bafo de ar fresco neste galinheiro onde quem não pica é picado, quem não empurra é pisado, quem não puxa não tem, só é burro quem não o inala. Desde que o Club Deportivo ganhasse para o campeonato por mim estava tudo bem.
Comi um burrito e um taco e bebi um shot de tequila, tiro no estômago fraco e débil que tenho. Fumei uma valente cigarrada, tossi várias vezes depois de inalar aquele veneno que todos os dias me vendiam, sempre sem brinde, mas nunca melhor. Era isto, dia após dia, e enquanto assim fosse, nunca pior. Antes mal e vivo, que fodido e morto. Já dizia um tio meu que entretanto morreu, bem fodido.
Guadalajara era assim, como em qualquer parte do México - uma luta constante, um fosso entre o bom e o mau, e quando se vivia no mau, no negro, na outra face, qualquer merda era boa para um hombre se distrair, arejar a cabeça, encontrar um sinónimo de felicidade no mais sujo e violento conto infantil. Meia pinga de álcool ou algo semelhante adornado de chilli com carne arrotado com sabor a têto.

...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

KEEP ON ROCKIN!



Não tenho conseguido parar de esboçar sorrisos, daqueles de desarme, quando o que vislumbro é tão incompreensível que ultrapassa em excesso a bitola do considerável, do apropriado,do "natural", do dito normal. Mas ya, da normalidade já não há que esperar nada. 
É mesmo aquele engolir em seco, aquele burburinho do coração, a dita ansiedade, garganta seca, olhos esbugalhados, maçãs do rosto franzidas. 
É como a vergonha alheia, até parece mentira.
Aquele "foda-se" baixinho.
Como diria o Greg Graffin, somos personagens de estórias mais estranhas que a ficção, num enredo cheio de horizontes longínquos polvilhados por "DTs"  seats Ibiza dolce gabanna férias nas caraíbas golos superbocks bacalhau auto-estradas ppp´s estádios expos cabazes família, nóbeis,FMIs, segredos e pesos pesados, descritos por escritores de visão deturpada que navegam águas calmas, durante noites de luar, batendo teclas sem consequência, cosendo as linhas de contos e paus bafejados pelos ventos bávaros, enquanto bebem Don perignon e puxam uns bafos de charuto porque a purple haze foi roubada por um corsário das terras-baixas. O convés esse, segue viagem vazio, não apenas de mercadoria ou de especiarias e tesouros de além-mar nessas águas internacionais e globalizadas, leve que nem um passarinho inocentemente ludibriado com a falsa primavera dos primeiros dias de janeiro, com um tremendo nulo de ideais e valores, numa puta de uma Náu desiquilbrada, a pender para um dos lados, de velas-fechadas e sem vivacidade, que a cada milha naútica que sofregamente percorre, se afunda mais uns centimetros na austeridade das marés. 
Mas o melhor desta Nau, são as matinés. Durante as tardes, em alto alto mar, é projectada na vela esquinada e dobrada, todo o corre-corre de aeródromos, offshores, sacos azuis, freeports, sucatas, licenciaturas, escutas, negócios da merda, merda de negócios, desde os mais preguiçosos até aos piegas que circulam, por aí, em Clios. 
A bandeira essa, vai batendo contra o vento, com o vermelho trocado pelo verde e as esferas de cabeça para baixo.
E essa comédia de cariz trágico, com um enorme teor de ficção redigido pelos melhores dos melhores dos romancistas da nossa Nação, vivos e mortos, os de hoje e os de ontem, vai se projectando nos blocos informativos das manhãs das tardes e serões e a impotência é tanta que e recordam os tempos de pequeno em que me assustava com a televisão, com os vilões e os extraterrestes, com os feios porcos e maus e a minha Mãe pegava em mim, fazia umas festinhas na cabeça e dizia "não fiques triste, é só um filme".

Neil Young -  Rockin' In The Free World
There's colors on the street
Red, white and blue
People shufflin' their feet
People sleepin' in their shoes
But there's a warnin' sign on the road ahead
There's a lot of people sayin' we'd be better off dead
Don't feel like Satan, but I am to them
So I try to forget it, any way I can.

Keep on rockin' in the free world,
Keep on rockin' in the free world
Keep on rockin' in the free world,
Keep on rockin' in the free world.

I see a woman in the night
With a baby in her hand
Under an old street light
Near a garbage can
Now she puts the kid away, and she's gone to get a hit
She hates her life, and what she's done to it
There's one more kid that will never go to school
Never get to fall in love, never get to be cool.

Keep on rockin' in the free world,
Keep on rockin' in the free world
Keep on rockin' in the free world,
Keep on rockin' in the free world.

We got a thousand points of light
For the homeless man
We got a kinder, gentler,
Machine gun hand
We got department stores and toilet paper
Got styrofoam boxes for the ozone layer
Got a man of the people, says keep hope alive
Got fuel to burn, got roads to drive.

Keep on rockin' in the free world,
Keep on rockin' in the free world
Keep on rockin' in the free world,
Keep on rockin' in the free world.