sexta-feira, 23 de abril de 2010

SLUMDOLLAR




Vamos por partes.
Ja estou em Varanasi, para tras ficaram Mumbai e GOA. ?Uma busca rapida no google dira que sao tres sitios que tanto a ver uns com os outros como o Papa teria a ver com Jesus Cristo, mas isso sao outras guerras.

Bombaim e' uma cidade produto, uma imagem de centro de cidade estilo Europeu, fortemente Colonial, controlada, onde tudo respira em condicoes, o transito e' ordenado, nao ha arrumadores de carros, nao ha muito lixo no chao, ha glamour e bares ocidentais, restaurantes de luxo e mercedes a percorrerem o alcatrao. Se eu reler tudo isto, nao releio em nada disto a India que vi nos ultimos meses.
Mas Mumbai tem quarenta quilometros de extensao, quase o dobro da populacao de Portugal na Urbe, e mais de duzentos milhoes em outskirts. Mumbai e' uma maquina, Mumbai nao tem nativos, so emigrantes e migrantes, gente que faz de mumbai um sistema de reciclagem onde claro esta o mais fraco faz e limpa o sujo, o mais rico vive no condominio e passeia-se pelo centro ocidental.

Felizmente tive a oportunidade de ir a uma favela, a uma Slum. Foi provavelmente o mais intenso que provei aqui, depois de mais de setenta dias de India, provei o esgoto e o ar humido dos labirintos de Dharavi, a maior favela de Mumbai.

Dharavi seria uma cidade dentro de outras mil cidades, uma cidade com industria, com zona comunitaria e zona residencial. Com um milhao de habitantes concentrados numa area que nao seria maior que Canelas, a terra perdida no meio dos montes de Penafiel.
Dharavi dava milhares de historias. Possui uma industria fortemente DIY, na base da reciclagem de plasticos e producao de materias primas com base no lixo dos outros. Caso para dizer que a merda do Mundo e' Ouro por ca'. Literamente, porque se nao fosse literal nao produzia um montante de 6.000.000.000$ anuais que claro esta nao sao divididos pelos trabalhadores que trabalham catorze horas diarias num espaco de 9m2 e ai comem urinam e dormem. Ha outros peixes a mamarem o que nao e' deles.
Tudo e' feito em chapa, ou plstico, ou madeira, ou mdf, ou papel. Tudo ia cos porcos se o Lobo soprasse com mais forca.
Mas depois de ver tudo isto, com o nosso "guia" da favela a explicar o melhor que podia e a guiar-nos no meio do labirinto, chegamos ao prato principal.
Este deixou-me indisposto, parecia um dos muitos pratos com demasiado chilli, ou que realmente nao foram talhados para o meu estomago mas que tens de comer, porque como diriam la em casa, ha que comer de tudo. E se nao se come, come-se comida de urso. Melhor a primeira opcao.

Segui por um corredor de oitenta centimetros de largura, la ao fundo um homem tomava banho com um minimal raio de luz sobre ele, logo a seguir viro a' direita e vejo um corredor com cinquenta centimetros no maximo, mais de cem de extensao, sem luz, com os cabos de electricidade a uns belos dois metros de altura, o esgoto a passar-me pelos calcanhares, o ar abafado que nao corria, e a rua que nao se via. E tudo era assim, sem mais acabar ate chegar ao patio das traseiras, lixeira a ceu aberto, onde todos cagam com ar condicionado ou se preferem a casinha publica, partilham-na com mais mil pessoas diariamente.
Fui caminhando com a sensacao que era um sortudo, por ter mil vezes mais condicoes que todas estas pessoas, mas que sinceramente, pelos sorrisos dos miudos, pela postura e atitude, ali aprendia-se a viver o dia de hoje, sem grandes planos para o amanha e' certo, mas o hoje era bem vivido. Ainda que sem agua, sem comida e sem um tecto unico e estavel, mas era melhor que estar morto como diria o guia.

Na inha cabeca ecoava o Beggin in the Slums, Defeater. Fazia sentido ver os miudos a jogarem cricket com bolas de tenis, sem tenis nos pes, descalcos e rijos, sem dentes cariados, sem drogas e alcool porque quem brinca e trabalha nao se mete nisso diziam os locais, com os pneus carecas da bicicleta, a quererem saber nomes e paises, dizer um ola e dar um aperto de mao.
Sao oitos e oitentas, um girar, uma roda que nao para, que se alimenta de motivos como a reciclagem do mundo ocidental, do nosso lixo diario, do nosso consumismo, o traduz em miseros rupias, em camas de papel, alimentacoes frageis e vidas sem futuro, grao a grao, passo a passo, dente a dente...

Ser'a esta a India que todos querem ver no topo mundial, como pais desenvolvido? Nao consigo ver, mas provavelmente ninguem veria os Romanos no colapso, os Egipcios extintos, ou outras tantas civilizacoes que tiveram o seu apogeu e depois tombaram que nem penedos, rolantes.

A pergunta que se faz nao e' se na India, territorio, ja houveram apogeus civilizacionais. Houve as centenas, pela quantidade de patrimonio que aqui ha e muito por descobrir esta'.
O apogeu so chegou para alguns nesta India que se conhece como territorio unido mas que de unido tem muito pouco, e de coeso e coerente tambem, porque de norte a sul tudo muda, desde a paisagem a's pessoas, linguas e tradicoes.

Neste pais cabe tudo onde noutros continentes nao cabem nem a martelo, e nao falo so de espaco.

THE FALL OF TROY - introverting dimensions

Um comentário:

  1. ainda não li tudo, mas hei-de ler e com calma.. :) sou grande "fan" das tuas fotos e dos teus textos.. ainda hoje disse á ana: "epa o nuno quando chegar vem um homem novo" ;) have fun e bom regresso. bj

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