domingo, 24 de junho de 2012

MONTE SINAI

Estrebuchei entre o edredón na sala, sobre o colchão, à frente da tv que ficara ligada nos desastres de aviões do National Geografic.
O Cruz acenava-me com wugazi a tocar no meu celular, era o ricardo.
- Tou! como é?
- É para ir. Estou na Galiza, quatro piscas.Acordei-te?
- Não. Já vamos.

Meio morto e meio vivo, arrepiei caminho por entre as luzes amarelas, os reflexos dos semáforos no alcatrão, os néons, os anúncios, o deserto urbano, desliguei a sofagem que já ia em quarta vitesse e apanhei um leitão e dois coelhos pelo caminho.

Iamos à vandoma, fazer negócio, comprar artigos de marca, frança espanha e tudo o que tinhamos direito.

Estacionamos perto da Batalha, vesti o casaco de ganga, puxei do carapuço, larguei a carteira no "tabelier" e peguei em meia dúzia de moedas para meter ao bolso. Descemos as ruas, passamos pelo Monte Sinai, bom presságio. Chegados às fontainhas, percebemos que ainda era cedo e a caravana estava para passar. Havia que esperar, olhar para os montes de canetas e canecas e porta-chaves e ferros de engomar e VHS e discos e cds mapas e livros de todos os jeitos cores e feitios, cacos da sala de estar, pratos da mesa de jantar, peças de cerâmica e cristais baços do tempo, havia lugar para tudo, sem estarem de nível com a inclinação ou de nível com a descida financeira que se avistava. Eram trapos, eram rostos escondidos entre plásticos e cobertores, mingados pelo frio, pela vontade de fazer uns cêntimos. Rostos apagados pelos tempos, esquecidos pelos outros, em segundas e terceiras oportunidades que davam aos mesmos e às mercadorias, trocas e trocas, vendas e revendas, prendas de casamentos que já haviam vindo e ido, tal qual os euros da carteira.
E havia os outros, os do rádio que nunca tinha sido usado, da máquina de barbear sem caixa porque tinha apanhado chuva e estava húmida e foi para o lixo, ou do jogo que estava dentro da consola, dos discos a dois euros que eram do Pai do outro, das colunas que ainda ontem tinham sido ligadas à televisão para ver o jogo de Portugal. Enfim, um sem fim de contos e estórias e fábulas artísticas, romanceadas meia hora após meia hora, até o sol raiar, até não haver mais força para aguentar, verdadeiros hinos ao lirismo popular, sem desgaste, sem uma pinta de mentira a pairar, sem vergonha ou hesitação. Era o que era, e o que não era, passava a ser.
Regateamos. Perguntamos. Conversamos. Até as seis da matina darem conta do tempo passar, já de dia, num carrossel de sobe e desces, pagando para ver, vieram os jeans e a camisola de um adepto croata que em dois mil e quatro se esqueceu de ir dormir ao hotel e ficou pela baixa, de calças para baixo e tronco nu.

Viemos embora, cansados que dói.
A ilusão é tanta, que depois de circulos e circulos encontramos aquilo que não fomos lá para encontrar, mas por força das forças, o que tem de ser tem mais força ainda, acabamos por levar, por meia dúzia de paus, animados pela poupança, pela oportunidade, pela sorte, e pela vontade de encontrar mais outra coisa que precisamos mas não sabemos. É isso, e bastante mais, é palpável, mas também é placebo.

Sabe a golo e como tal, Sexta-feira há mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário