sábado, 1 de dezembro de 2012

ORI ORI ORI! 2


Fartei-me de esperar pela perna esquerda e desatei a correr por cedofeita a dentro, e quase a passar a rua do setenta e sete um individuo atravessou-se à minha frente, a ler o Metro enquanto comia um panike ainda meio arrefecido entre os dentes afastados, dentes de mentiroso, que levava na cremalheira. Já não bastava ser um inocente que lê jornais gratuítos e que faz o sudoku enquanto vai no 200 para a praça do Império, ainda tinha de me dizer que a culpa havia sido minha e que tinha de lhe pagar um panike novo e pedir desculpa. Não fui com a cara do individuo - era mal-educado, mais seboso que eu e lia jornais gratuitos distribuídos em semáforos ou à saída de São Bento, razões mais que válidas para lhe encher a maleta - e como já ia atrasado, decidi tratar do assunto à moda antiga. Pousei o embrulho na calçada à Portuguesa, puxei um trago de ar fresco, perguntei-lhe que mancha era aquela que me fitava na zona da coxa, e enquanto o morcão perguntava "Úcuee?" puxei a canela atrás, cravei-lhe um sopapo entre o joelho e a coxa, rodando bem a cintura, certificando-me que a força sinética aplicada era suficiente para partir alguns ossos e ossinhos. O esgar de dor surpresa misturados com um subtil pedido de compaixão de quem leva e não dá, confesso que por momentos me fizeram pensar recuar, momentos esses tão fugazis que não passaram muitos milésimos de segundo até que os meus nós da delicada mão direita que constituí o término do meu braço e que outrora tocou guitarra portuguesa, sentissem o maxilar deslocar-se no ar, com um seco clique, do mesmo género dos cliques que as peças das pilhas dos comandos de televisão fazem quando encaixam no molde de plástico normalmente escuro, produzido nos confins das chinas e taiwans.

Peguei no embrulho e lancei-me cedofeita acima, Carlos Alberto dentro pelo lado de fora, com as fachadas a reluzirem as chuvas da noite e do dia anteriores, limpas da sua sujidade entre pastilhas e azulejos e rebocos mal amanhados, entre umas mais empenadas que outras, lojas de pronto-a-vestir, restaurantes tascosos e outras coisas mais ou menos levianas que iam chocando contra o meu olhar, lá eu fui caminhando, galgando calçada portuguesa ao encontro da minha entrega. A entrega.

Os Leões, mirei-os, frente-a-frente, olhar no olhar, tomates com tomates, garra sobre garras e cabeça bem levantada a fazer frente aos supra-sumos, sem medos, sem receios, apenas vontade, liberdade infindável de quem nada tem e sendo assim absolutamente coisa nenhuma pode perder, hoje e sempre, amén. Calquei os copos dos finos e das loiras que os deixaram a apodrecer por centenas de milhares de anos entre os granitos do Porto, da nossa invicta de dois mil e um odisseia espacial, invictus e como novos, prontos a reutilizar com os três Rs do mundo refeito e melhor, mais bonito e mais limpo, civilizado e correcto, pronto a receber e a dar, encarando a nova ordem no meio de uma tempestade de mudanças ocas e sem sentido, lobbies que teimam em permanecer bem presentes ao acordar e ao deitar.

Quando dei por mim já tinha passado as galerias do cabrão do Charles de Gaule, as de Paris de la France, das obras e das empregadas de limpeza, dos nossos que lá foram para os caixotes do lixo, dos colegas que agora vão porque por aqui não podem ir, e assim por aí fora, num carroussel bonito como as fronhas dos alemães e dos outros , aqueles que nos deixam viver com com Ivas e taxas sociais únicas e hipotecas para pagar daquele carro que nunca saiu da garagem mas que é peça de colecionador, mais caro que os rolex de custóias, elefante branco das confeções e das CEEs e das batatas que ficaram por plantar quando nos pagaram para não içar as velas e para não levantarmos a cu do sofá porque os Jogos sem Fronteiras e o Olávio Climaco estavam na RTP em directo internacional. E com tanta vitesse que levava, pelos clerigos escorreguei num paralelo mal amanhado por um calceteiro, talvez até de Rãs, terra perto da terra dos meus queridos avós, deslizando sobre lajetas e chicletes e escarros do chão até à extremidade inferior de um rolante de autocarro , o 78, que me relou os dedos dos pés, frios do frio que se entranhava derme adentro, sem dó, sem piedade, sem misericórdia, sem pena do desgraçado que apenas queria trabalhar, uma razão de ser, o motivo da vida eterna e do apocalipse da minha existência...consegui soltar um "ui", e o motorista berrou e toda malta gritou aperta aperta com ele, mas eu apenas berrei prá puta que vos parei, aperta aperta com ela. E sendo assim naveguei entre pessoas admiradas e curiosas que viam o meu naco de carne raspar no chão, sem noção de tracção ou apoio, a flutuar. Caminhei e caminhei, procurei no meio das gentes, em zigue e em zague, em silver em mount e em zion, ansiando e desesperando pelo número sessenta e nove da rua do Sá da Bandeira, aonde eu poderia entregar finalmente e não antes que nunca fosse tarde, o último esgar de sentimento isolado por de entre as horas infindáveis de solidão e loucura na Torrinha, da torre com vista para o infinito do paralelismo entre o cosmos e o éden, jardins infiváveis do meu desespero perfeccionsta sem maçãs e serpentes.
E neste modo automático do racional imperfeito, quando encontrei o micro-cosmos da campainha e toquei até que dissesssem que sim. O trrrrr da porta ditou o entrusamento entre mim e o patamar de entrada, entrando sem pedir licença com a ansia de quem sobe a montanha russa, resfatelando na vontade da missão cumprida, sem espinhas e sem dramas, certo e seguro do que me levava alí. Como o triplo perfeito do último periodo do derradeiro jogo do play-off.

Bati à porta, olhei olhos nos olhos de quem já sabia o que esperar e o que querer, pousei amassado embrulho de papel roçado e cheio de pingas da chuva, caixa de uns sapatos velhos com o equilíbrio e perfeição da tempestade atlânte que se abate sobre o alcatrão preto de uma metrópole desgastada.
A mulher mais linda que eu já vi abriu-a, desabotando o embrulho com enorme delicadeza, colocando-o depois de o dobrar, no bolso de trás numa daquelas Levis em sgunda mão que deixam o cu empinado para fora.
E no palmo da menina eu recordo-me de ver, Um TSURU. O mais ordinário dos origamis, leve que nem um pardal, mais melhor bom que os da feira da cordoaria, que os pardais das Áfricas, que os congéneres do Japón, que os melros de Entre-os-Rios. E assim, bateu as asas e levitou sobre mim e sobre Ela, disse "olá, o que é que te aconteceu ao pé que está todo quilhado? e eu respondi - "oi, não foi nada", estasiado pela mais que muita definição e rigor de seus traços em 1080p. E depois? Depois, só tive tempo de cair para a frente e esmagar o meu crânio por de entre os seios roliços e rosados da minha cliente e perdi sentidos e sentimentos, revirei-me nesse espaço sideral, bati as minhas asas pelo vale que se estendeu sem fim e pus-me no caralho, leve que nem passarinha, tão morto que nem me lambia, mas satisfeito.
Muito satisfeito.

# cachorros quentes

Nenhum comentário:

Postar um comentário