terça-feira, 25 de dezembro de 2012

TERRIBLE LOVE



Acordei ressabiado. Era cedo, estava cansado, vinha de noites de seis horas e tinha de ir à garagem receber a máquina de finos. Paguei os barris, o Cruz ajudou a carrega-los. Era um salto de fé. Partia para o jogo sem partir o baralho e já baralhado de tantas voltas que aquela merda podia dar. Era mais um ano, somado aos outros sete com uma dúzia de meses de intervalo.
Rebatemos os bancos, deitamos a menina, que se esguichou nos estofos, deitou espume a cheirar a cerveja para pouco do meu alívio. Deixa arder, pior ainda pode ficar, mas não é já. Desistir ali era como sair de casa e mal pousar o pé na carpete roçada da entrada, dar a volta e vir para trás.

Not my type.

Cheguei a Penafiel, depois de acordar a Ana e de atulhar o saco com as roupas sujas da semana,  de lhe dizer que era hora de ir até Luzim, estrada fora, ver como se ia fazer a festa, apontar o sítio daonde lançariamos as canas sem canaviais mas com cabana.

Dividimo-nos por carros, e mal dei à chave no meu cinza rato, começa um cd que nada tem a ver com os decibéis do sábado mas que por ironia de todas as dúvidas se chamava "Terrible Love" dos National. Não era muito fã, mas hora após hora e quilómetro atrás de quilómetro lá me fui habituando a trautear e solar como quem vai com o chuveiro no lugar do apoio da cabeça A4 adentro, rotina dentro rotina fora, ontem e antes de ontem. E no nevoeiro, a passar à frente da P3, lembrei-me do quão rídiculo e imperfeito era ano após ano estar nervoso e a fazer as mesmas contas de cabeça dia após dia, paga ou não paga, vem gente ou não vem gente, e naquelas nótitas alegres que rezam a solidão destes momentos, animou-me a crença e perseverança  Evidente que não deixei de estar "des"stressado como o caralho. Era só para enganar.

E lá segui as curvas que levavam a Luzim, e apreciei as folhas de plátanos a cobrir o alcatrão, os ganchos à Colin McRae 2 no PC, as descidas que nunca mais acabavam, a máquina que não parava de ganir na carrinha comercial improvisada, e aí comecei a recear a loucura da demanda, sempre que me parecia que era já a seguir e me enganava. Tinha a impressão que era mais perto e que já devia ter passado. Rais ma foda, afinal era mais longe... dá-lhe outra.

Mas depois de todos chegarmos a Luzim, ao fim do mundo, para a festa do fim do mundo e sem certezas se era o ínicio de um Natal mais magro ou de um pédemónio, abrimos a casa, pousamos os barris, ligamos as tomadas e as luzes e carregamos os móveis da sala de estar, pitoresco âmago de artes e paixões e reflexões de quem ali vive serões e tardes completamente alheado de todos os outros e quaisquer mundos que possam ou não existir, na Terra ou no Universo. Naquelas mesas em mármore, pesadas como os anos, na ardósia preta dos quadros da primária da sala de estar, nos candeeiros de tecto que se desenham com linhas de cabos pretos entrelaçados com as telas e as imagens de férias em família e livros de verão e de inverno, de Nietzsche a Tolstoi. E nas cores primárias das janelas e das portas, seja na cozinha ou na zona da retrete, onde as tubagens de inox realçam o chuveiro e o toalheiro, a arquitectura do senso comum ajuda a dizer "Olá seja bem-vindo".

E eu, lembrando os anos em que o Sr.José nos recebia assim no CCC, da Sãozinha a vender minis no bar, do Fernando a ajudar a carregar as paletes com Assado feito pela Mariazinha no forno a lenha, penso no quanto a coisa mudou em quase dez anos. Lembro-me também do Sr. Adão a abrir as caves do pavilhão e a dizer para usar e abusar. E depois há aquelas imagens dos ensaios em santa marta, ora em casa do Greever e depois nos avós do Pedro. E os ensaios em Santa Luzia, agora na Aveleda, de manhã ou de madrugada, enquanto a malta vai para o Electro Dance Floor nas pisssinas. E das primeiras malhas às tacadas no Taco é um tirinho, depois vem os gigs no Ribeirinha e no Altar, as idas a Lisboa e Almada para tomar uns canecos estar com os suspeitos do costume e só depois tocar.

E soube bem, ver o Telmo e o Hugo e o Mané e o Tolo noutras bandas, a soar bem para xuxu, a fazerem malhas que eu gostava que fossem minhas, sendo dignas de figurarem no nosso grupo de bandas favoritas, e depois tocar, naquela sala pequena mas boa que chegue para as dúzias que lá ficaram, pertinho do rio, até que o Luís e o Cana se fartassem, com os figurinos e os amigos e as personagens perdidas no meio do espaço de estar, ou no meio do vazio, a abanar a cabeça como se não houvesse a manhã cedo que tardou a chegar.

E se tantas vezes ao longo destes anos tenho ouvido falar em rock e metal e hardcore, e em valores e sentimentos e partilha, é o suor dos nossos que tenho visto a pingar no chão, em cada pancada no ride e no crash e na tarola e nos pickups das guitarras e dos baixos e marteladas nos dentes e santolas na nuca sem que a toalha vá ao chão, sozinhos ou acompanhados mas sempre com a cremalheira arreganhada e a alma leve que nem passarinha, figuram no meu dicionário como seu significado.

E o resto? O resto é o mais importante, feito pelos que apareceram e vibraram e berraram e agitaram até onde deu. Aos que no dirigiram as palavras de consolo e que disseram que tinha sido do caralho e valido a pena e demais e do outro mundo do fim do mundo deste e de outros e que iam regressar e que tínhamos de voltar a fazer e tentar não deixar morrer e se tinham perdido ao ir para lá mas lá encontraram aquilo que procuraram afinal ali tão perto,
muito agradecido

Gui e Família Aragão, sincero obrigado por nos deixarem violar o vosso espaço sagrado, percorrer as vossas memórias e entrar no privado do vosso retiro. Parece-vos tão pouco mas é tanto tanto que nem há palavras.

Ana, Beto, Inês, Paulo Massa, Joana, Bisonte, Jesse, Stepback!, Direwolves, Wechoose, Pintado, Luzes do tits e da Tarreca. é nóis

# quote de uma músida de X-Acto que todos citam quando falam estas merdas, depois de recitar os National e violado os trâmitos do expectável na cena.

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