segunda-feira, 21 de maio de 2012

DINOSSAURO JÚNIOR


No meio de uma aparente embriaguez, revejo os limites do cosmos, sentindo e palpando com as próprias mãos os confins de átomos e teoremas, sabendo de antemão que após tudo isto, apenas o pó nos aguarda.
E infeliz o pensamento, o de que há algo depois de tudo, ou nada antes de algo. Mas assim vivemos felizes e contentes com a próxima meta.
A fuselagem nao tarda em quebrar, as luzes nao demoram muito para fundirem, e no final a dentadura não tardará em desaparecer de madura.
Assim vamos indo e vamos vendo, olhando pelos seguintes, os que hão de vir, os que fomos em nosso tempo.
E tempo após tempo, iremos satisfazer o primordial desejo de conquista adornado pelo sabor da derrota. Sempre assim foi, e sempre assim será de ser, lei após lei, mudança após mudança, macacos sobre macacos, tentando ser mais que simios, falhando dia após dia, era após era, até Deus se fartar e partir esta porra toda.

A História diz-nos que nunca aprendemos com a História.



quarta-feira, 16 de maio de 2012

FORGOTTEN AND ABSORTED INTO THE EARTH BELOW



à noite, quando o asfalto reluz,

gosto de caminhar a essa hora, quando se vêem as fachadas dos anúncios e das varandas e janelas, quando se ouvem os cães a ladrar lá de cima dos pátios. Gosto de assim caminhar, auscultadores a debitarem palavras e mais palavras, o meu cão a seguir-me por perto. Dá-me gozo, gesticular sozinho, olhar para tudo aquilo que já olhei milhares de vezes e, ainda assim, me parecer novo. São pensamentos e palavras, actos e omissões, que nos percorrem o consciente adormecido pela inércia do diário, e assim, pé ante pé, sem mais ninguém por perto, vamos fazendo o rescaldo, o aftermath, das horas e eras que vivemos.
Comming back swinging.
E o prazer reside no sentimento de propriedade de algo que nunca será meu, a cidade, o bairro, as ruas.
Há na solidão da noite, no vazio do escuro, a falsa imagem de que tudo o que nos envolve vive e existe, naquele momento, apenas para nós.
Porque mais ninguém segue por perto.


smashing pumpkins - 1979

domingo, 13 de maio de 2012

THE OTHER SIDE OF MADNESS pt.3


Hoje ia fazer o percurso A, primeiro até ao Z, aquele no qual passamos pela esfinge, debitamos várias palavras no melhor inglês possível, falamos sobre tudo aquilo que nunca soubemos saber sobre o tema proposto, voltamos a esboçar mil sorrisos façanhas e teorias da conspiração sobre o maravilhoso complexo arquitectónico que calcamos. Mas hoje é um dia diferente, agora e aqui, onde me encontro, sinto que detenho a sabedoria para a resolução de todos os meus problemas, problemas que são meus e teus e deles, dos grunhos que iam comigo, um casal de Italianos estúpidos que só faziam perguntas ridículas e às quais eu respondia de forma mais ridícula recebendo em troca um acenar de cabeça de quem pouco pensa e muito diz. E sim, eles vinham comigo, iam viajar comigo até ao confim deste e do outro universo, porque após anos e anos a calcar este lugar, segredos era coisa que não havia. Já me havia decidido, aquando o percurso até aqui, hoje era o dia e chegara a hora de ir para outro lugar, can´t you see the signs?!
Pedi-lhes dois minutos, entrei num barraco forrado a ripas de madeira empilhadas na vertical de uma forma desconcertantemente tosca, puxei da papelada que trazia no bolso. Baixei as calças, sentei-me sobre o buraco, deixe-me relaxar. Larguei um bloco de cimento acastanhado, amassado pelos meus intestinos em direcção ao vazio.
Era só uma lambidela, só uma ponta desse músculo de sensações e papilas e acções e provérbios verbais e literais ia tocar no papelzinho, tão pequeno que nem para confeti dava, ainda assim, havia espaço para o sonic the hedgehog. Lambi o papel, lambi a mão, lambi o braço, lambi as unhas, lambi o peito, lambi as ripas de madeira. Senti o rodopio do furacão, o tapa na pantera, arreganhei a boca, puxei os lábios para fora, fiz caretas à minha frente sem espelho sem nada, abri a porta e a luz passou por mim à velocidade que ela gosta de ter, rápida como o caralho. E fui, pé ligeiro, sem cautela.
Seguimos pelos becos e estreitas galerias, cada vez menos luz, cada vez mais sombra, até que demos por nós perto do início da grande subida, o bilhete pelo qual todos anseiam pagar, a ascensão divina, o triângulo ancestral, a grande pirâmide. Um degrau, dois degraus, and so on, até que, para pura e simples estupidez dos que me acompanhavam, eu desloquei um dos grandes blocos de adobe, amassados pelas eras, e o maciço pareceu uma pluma nas minhas mãos. Podem entrar. Caminhamos sobre a poeira, na escuridão quase total, faltava uma tocha como nos filmes, apenas se ouvia o vento assobiar, aqui era bem mais fresco, mais claustrofóbico. O interior fazia lembrar um caleidoscópio, daqueles que se faziam no jardim-de-infância. Um grande amigo que um dia cá tinha vindo, e eu, sem mais nada para onde ir ou fazer, sem lugar onde cair morto, decidi acatar a decisão de seguir para o vazio, para onde esse meu conhecido fora um dia e um dia me havia dito que descobrira o âmago de tudo, o espaço sideral e multiplicado de uma sala que continha todas as outras, um lugar tão sombrio quanto esmagador, pelo silêncio, pela visão assombrada do interior invertido da pirâmide do faraó, diabo carregue o outro onde trabalhava.
No meio do rodopio, ouvia os outros dois burros a saltarem de alegria, estavam lá dentro.
Abri a carteira, tinha meia dúzia de tostões. Merda, não era suficiente para a grande viagem até ao paraíso. Ainda tinha guardado no bolso de trás das calças um pequeno seixo, de estimação, para situações como esta. Fui directo às jugulares, o sangue correu no meio dos ruídos silenciosos e profundos do espaço iluminado e vibrante, era uma bad trip à maneira, uma puta tão grande que nem senti pena das duas ignorantes almas que me acompanhavam até então, seus nomes anónimos, anonimato que me ajudou a superar a dor da perda, dos outros, não a minha, e sobre a qual apenas residia a minha vontade de perceber se ia para o além com mais uns trocos no bolso. No fundo ri-me bem lá no meu íntimo mais profundo.
Carteiras revistadas, chegara a hora de partir.
Envolto em tudo aquilo que me pertencia como memória de um punhado de pó que se chamava vida, agarrei-me aos tomates e saltei para o vazio da pirâmide, invertida dimensão de muitas outras, não berrei, segui calado porque calado normalmente digo tudo. Enquanto fui caindo no vazio, ainda consegui ouvir os pianos.
Um piano, dois pianos, três pianos, PUM!
Esperneei, cheio de farpas a cravar a pele, com o deserto na garganta, pintado em tons de ocre, cego pela luz, coberto pela chapa que escaldava, todo cagado da cinta para baixo, nu.

- So take a trip with me, to the other side of madness -
Cro-mags - The other side of madness

quarta-feira, 9 de maio de 2012

THE OTHER SIDE OF MADNESS pt.2


Mordi uma codea recessa com dois dias, bebi meio copo de leite, tentei não fazer barulho para não acordar o meu colega de quarto, o Samir, daqui a pouco pegava ele no trabalho, ser padeiro tem destas coisas, é como mandar farinha ao mesmo tempo que anda toda a gente a cheirar coca, same shit, different timmings. Ferrei o sono durante pouco menos de meia duzia de horas, pouco mais do que o necessário para acordar menos rabujento que o que a normalidade me acostuma, ensaiar um quarteirão de sorrisos inocentes e cativantes, mudar de roupa, passar água pela cara, comer mais um bocado do naco de codea que sobrou de há três dias atrás e apanhar o caixote amolgado barulhento e apinhado de gentes que normalmente o chamam de autocarro, sem AC. Pelo caminho, suo a camisa deslavada que levo, e mal salto fora daquela espelunca, retiro do saco de plástico branco imaculadamente guardado dia após dia, uma ourta camisa ainda a cheirar a amaciador. Há uma enorme tabuleta imaginária que se ergue por entre a poeira, limpa dia após dia, pela minha alma e pela dos outros, e que diz qualquer coisa deste genero "Bem-vindo à terra encantada". Enquanto leio isto, normalmente os meus ouvidos adornam-se de assobios, berros, sussurros, gentes que vão falando disto e daquilo, chamando a atenção de uns, orando ao alfa, berrando pelo omega, calcando os calos de outros, empurrando quem se à frente mete,e eu, no meio do turbilhão, como se do meu quarto às escuras se tratasse, vou indo e caminhando e abanando a cabeça, sempre sem largar os olhos do caminho, da frente, a ouvir um riff teso a ressoar nos timpanos sobreposto aos milhares ruidos atrás descritos.
Assim sim, vou embalado, qual míssil, qual torpedo, qual jacto de água lançado sobre a revolução, zarpando pelo bazaar de gentes e cores e sentidos e merdas a voar por alí fora, sentidos despertos, com a jarda toda a fluir pelas veias latejantes. Busco por um bidie no fundo do bolso cosido e recosido, puxo dos fósforos, acendo, puxo um bafo, puxo dois, e continuo por entre aquela massa disforme a que chamamos de multidão.
Um timbalão, dois timbalões, um mute, dois mutes, a 120 bpms e a manter aquela aura de destruição, enquanto eu me dirigia para as destruídas pirâmides e seus sonhos desfeitos, pedra sobre pedra, o tempo sobre o tempo, sorriso na boca. Saquei do meu cartão de guia falsificado pelo mestre que falsifica noventa e cinco por cento dos cartões de guia dos guias que por aqui andam, cumprimentei o meu colega de trabalho que estava já entretido a passar a mão pelo cu de uma Loira Americana ( era americana porque ria muito alto e tinha toda a pinta de que falava por falar ainda que falando como se falasse), dirigi-me ao pequeno quiosque em chapa da esquina, pedi um pouco de paan para mascar, apodrecer um pouco mais as gengivas e os dentes com aquele vício dos pobres.

terça-feira, 8 de maio de 2012

THE OTHER SIDE OF MADNESS pt.1



Abstraído, tão distraído que acabei por queimar a ponta dos dedos indicador e insurrecto com a beata que tinha entre nacos.
O pequeno e confinado espaço exterior reservado aos mecanismos de ventilação do "Faraó" pertencia a uma realidade paralela e flutuante, sobre dezenas de metros de distância da perfeita e mundana vida cosmopolita que se instalou na capital. E a flutuar, pairava sobre a ilusão do mundo ocidental, a crença cega nos deslumbres civilizacionais de neóns e Leds e tecnologia de ponta dos comuns mortais. Por entre a rede de galinheiro vislumbrava todo este frenezim, pontuado pelo ligar e desligar das máquinas, tal qual o ir e vir de um pistão de motor, oleado,maquinal, infernal. E esta visão prolongava-se por mais uma meia dúzia de quarteirões, até ao fumo dos escapes me fazer escapar a nitidez da vista, por entre volumetrias desproporcionais egrotescas transformadas pela apatia dos gases e das gentes, e eu, ali parado, no tempo no espaço visceral, sem me mexer. Nem a mais hábil façanha de Houdini roçou tal nível de fantasia. A minha vida apenas passa por aumentar o volume de som do canal desportivo ao mesmo tempo que me embrenho a empurrar no balcão martinis on the rocks, entre jacks e daniels, entre galdérias e artistas da bola. E por hoje era tudo, e já não era pouco. Troquei de camisa, a suja branca deu lugar a um branco sujo, de lavagens e lavagens de água sem sabonete, estava a chegar a hora de largar o ambiente soturno e saturado de horas e horas de tabaco expirado para um ar que já lá morava desde que me lembrava, a ventilação é só para fazer de conta, os filtros estão fodidos e o ar lá de fora melhor não é.Apanhei o autocarro de sempre, o das altas horas da noite, aquele que parava em menos paragens só porque sim.Gosto de atitudes extremas.Sim ou não. Os intermédios aborrecem-me. É sinonimo de tomates mingados.Nem muito grande nem muito coiso, assim assim.