Hoje ia fazer o
percurso A, primeiro até ao Z, aquele no qual passamos pela esfinge, debitamos
várias palavras no melhor inglês possível, falamos sobre tudo aquilo que nunca
soubemos saber sobre o tema proposto, voltamos a esboçar mil sorrisos façanhas
e teorias da conspiração sobre o maravilhoso complexo arquitectónico que
calcamos. Mas hoje é um dia diferente, agora e aqui, onde me encontro, sinto
que detenho a sabedoria para a resolução de todos os meus problemas, problemas
que são meus e teus e deles, dos grunhos que iam comigo, um casal de Italianos estúpidos
que só faziam perguntas ridículas e às quais eu respondia de forma mais ridícula
recebendo em troca um acenar de cabeça de quem pouco pensa e muito diz. E sim,
eles vinham comigo, iam viajar comigo até ao confim deste e do outro universo,
porque após anos e anos a calcar este lugar, segredos era coisa que não havia.
Já me havia decidido, aquando o percurso até aqui, hoje era o dia e chegara a
hora de ir para outro lugar, can´t you see the signs?!
Pedi-lhes dois
minutos, entrei num barraco forrado a ripas de madeira empilhadas na vertical
de uma forma desconcertantemente tosca, puxei da papelada que trazia no bolso. Baixei
as calças, sentei-me sobre o buraco, deixe-me relaxar. Larguei um bloco de
cimento acastanhado, amassado pelos meus intestinos em direcção ao vazio.
Era só uma
lambidela, só uma ponta desse músculo de sensações e papilas e acções e
provérbios verbais e literais ia tocar no papelzinho, tão pequeno que nem para
confeti dava, ainda assim, havia espaço para o sonic the hedgehog. Lambi o papel, lambi a mão, lambi o braço,
lambi as unhas, lambi o peito, lambi as ripas de madeira. Senti o rodopio do
furacão, o tapa na pantera, arreganhei a boca, puxei os lábios para fora, fiz
caretas à minha frente sem espelho sem nada, abri a porta e a luz passou por
mim à velocidade que ela gosta de ter, rápida como o caralho. E fui, pé
ligeiro, sem cautela.
Seguimos pelos becos
e estreitas galerias, cada vez menos luz, cada vez mais sombra, até que demos
por nós perto do início da grande subida, o bilhete pelo qual todos anseiam
pagar, a ascensão divina, o triângulo ancestral, a grande pirâmide. Um degrau,
dois degraus, and so on, até que, para pura e simples estupidez dos que me
acompanhavam, eu desloquei um dos grandes blocos de adobe, amassados pelas
eras, e o maciço pareceu uma pluma nas minhas mãos. Podem entrar. Caminhamos
sobre a poeira, na escuridão quase total, faltava uma tocha como nos filmes,
apenas se ouvia o vento assobiar, aqui era bem mais fresco, mais claustrofóbico.
O interior fazia lembrar um caleidoscópio, daqueles que se faziam no
jardim-de-infância. Um grande amigo que um dia cá tinha vindo, e eu, sem mais
nada para onde ir ou fazer, sem lugar onde cair morto, decidi acatar a decisão
de seguir para o vazio, para onde esse meu conhecido fora um dia e um dia me
havia dito que descobrira o âmago de tudo, o espaço sideral e multiplicado de
uma sala que continha todas as outras, um lugar tão sombrio quanto esmagador,
pelo silêncio, pela visão assombrada do interior invertido da pirâmide do
faraó, diabo carregue o outro onde trabalhava.
No meio do rodopio,
ouvia os outros dois burros a saltarem de alegria, estavam lá dentro.
Abri a carteira,
tinha meia dúzia de tostões. Merda, não era suficiente para a grande viagem até
ao paraíso. Ainda tinha guardado no bolso de trás das calças um pequeno seixo,
de estimação, para situações como esta. Fui directo às jugulares, o sangue
correu no meio dos ruídos silenciosos e profundos do espaço iluminado e
vibrante, era uma bad trip à maneira, uma puta tão grande que nem senti pena
das duas ignorantes almas que me acompanhavam até então, seus nomes anónimos,
anonimato que me ajudou a superar a dor da perda, dos outros, não a minha, e
sobre a qual apenas residia a minha vontade de perceber se ia para o além com
mais uns trocos no bolso. No fundo ri-me bem lá no meu íntimo mais profundo.
Carteiras
revistadas, chegara a hora de partir.
Envolto em tudo
aquilo que me pertencia como memória de um punhado de pó que se chamava vida,
agarrei-me aos tomates e saltei para o vazio da pirâmide, invertida dimensão de
muitas outras, não berrei, segui calado porque calado normalmente digo tudo.
Enquanto fui caindo no vazio, ainda consegui ouvir os pianos.
Um piano, dois
pianos, três pianos, PUM!
Esperneei, cheio de
farpas a cravar a pele, com o deserto na garganta, pintado em tons de ocre,
cego pela luz, coberto pela chapa que escaldava, todo cagado da cinta para
baixo, nu.
- So take a trip with me,
to the other side of madness -
Cro-mags - The other side of madness