Abstraído, tão distraído que acabei por queimar a ponta dos dedos indicador e insurrecto com a
beata que tinha entre nacos.
O pequeno e
confinado espaço exterior reservado aos mecanismos de ventilação do
"Faraó" pertencia a uma realidade paralela e flutuante, sobre dezenas
de metros de distância da perfeita e mundana vida cosmopolita que se instalou
na capital. E a flutuar, pairava sobre a ilusão do mundo ocidental, a crença
cega nos deslumbres civilizacionais de neóns e Leds e tecnologia de ponta dos
comuns mortais. Por entre a rede de galinheiro vislumbrava todo este frenezim,
pontuado pelo ligar e desligar das máquinas, tal qual o ir e vir de um pistão
de motor, oleado,maquinal, infernal.
E esta visão prolongava-se por mais uma meia dúzia de quarteirões, até ao fumo
dos escapes me fazer escapar a nitidez da vista, por entre volumetrias
desproporcionais egrotescas transformadas
pela apatia dos gases e das gentes, e eu, ali parado, no tempo no espaço
visceral, sem me mexer. Nem a mais hábil façanha de Houdini roçou tal nível de
fantasia. A minha vida apenas passa por aumentar o volume de som do canal
desportivo ao mesmo tempo que me embrenho a empurrar no balcão martinis on the
rocks, entre jacks e daniels, entre galdérias e artistas da bola. E por hoje
era tudo, e já não era pouco. Troquei de camisa, a suja branca deu lugar a um
branco sujo, de lavagens e lavagens de água sem sabonete, estava a chegar a
hora de largar o ambiente soturno e saturado de horas e horas de tabaco
expirado para um ar que já lá morava desde que me lembrava, a ventilação é só
para fazer de conta, os filtros estão fodidos e o ar lá de fora melhor não é.Apanhei o autocarro
de sempre, o das altas horas da noite, aquele que parava em menos paragens só
porque sim.Gosto de atitudes
extremas.Sim ou não. Os
intermédios aborrecem-me. É sinonimo de tomates mingados.Nem muito grande nem
muito coiso, assim assim.
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