Mordi uma codea
recessa com dois dias, bebi meio copo de leite, tentei não fazer barulho para
não acordar o meu colega de quarto, o Samir, daqui a pouco pegava ele no
trabalho, ser padeiro tem destas coisas, é como mandar farinha ao mesmo tempo
que anda toda a gente a cheirar coca, same shit, different timmings. Ferrei o
sono durante pouco menos de meia duzia de horas, pouco mais do que o necessário
para acordar menos rabujento que o que a normalidade me acostuma, ensaiar um
quarteirão de sorrisos inocentes e cativantes, mudar de roupa, passar água pela
cara, comer mais um bocado do naco de codea que sobrou de há três dias atrás e
apanhar o caixote amolgado barulhento e apinhado de gentes que normalmente o
chamam de autocarro, sem AC. Pelo caminho, suo a camisa deslavada que levo, e
mal salto fora daquela espelunca, retiro do saco de plástico branco
imaculadamente guardado dia após dia, uma ourta camisa ainda a cheirar a
amaciador. Há uma enorme tabuleta imaginária que se ergue por entre a poeira,
limpa dia após dia, pela minha alma e pela dos outros, e que diz qualquer coisa
deste genero "Bem-vindo à terra encantada". Enquanto leio isto,
normalmente os meus ouvidos adornam-se de assobios, berros, sussurros, gentes
que vão falando disto e daquilo, chamando a atenção de uns, orando ao alfa,
berrando pelo omega, calcando os calos de outros, empurrando quem se à frente
mete,e eu, no meio do turbilhão, como se do meu quarto às escuras se tratasse,
vou indo e caminhando e abanando a cabeça, sempre sem largar os olhos do
caminho, da frente, a ouvir um riff teso a ressoar nos timpanos sobreposto aos milhares
ruidos atrás descritos.
Assim sim, vou
embalado, qual míssil, qual torpedo, qual jacto de água lançado sobre a
revolução, zarpando pelo bazaar de gentes e cores e sentidos e merdas a voar
por alí fora, sentidos despertos, com a jarda toda a fluir pelas veias
latejantes. Busco por um bidie no fundo do bolso cosido e recosido, puxo dos fósforos,
acendo, puxo um bafo, puxo dois, e continuo por entre aquela massa disforme a
que chamamos de multidão.
Um timbalão, dois
timbalões, um mute, dois mutes, a 120 bpms e a manter aquela aura de
destruição, enquanto eu me dirigia para as destruídas pirâmides e seus sonhos
desfeitos, pedra sobre pedra, o tempo sobre o tempo, sorriso na boca. Saquei do
meu cartão de guia falsificado pelo mestre que falsifica noventa e cinco por
cento dos cartões de guia dos guias que por aqui andam, cumprimentei o meu
colega de trabalho que estava já entretido a passar a mão pelo cu de uma Loira
Americana ( era americana porque ria muito alto e tinha toda a pinta de que
falava por falar ainda que falando como se falasse), dirigi-me ao pequeno
quiosque em chapa da esquina, pedi um pouco de paan para mascar, apodrecer um
pouco mais as gengivas e os dentes com aquele vício dos pobres.
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