sábado, 28 de junho de 2014

Buakow Buakow

As galinhas e os galos circulam livremente pelas redondezas do ringue, esgueirando-se pelo tartame azul e vermelho queimado pelo sol. A ferrugem pinta aqui e ali, entre os cantos da tinta descacada e desbotada. As instalações sanitárias do Lousada sec. XXI, à beira do buraco no chão e da parede de tijolo rebocado pronto a receber urina do Island Muay Thai Koh Tao, eram um verdadeiro hino à higiene e à fragância à lá Ambipur - quem as conhece, pode conseguir então seguir com a comparação, deixando para vós todas e quaisquer ilações retidas desta metáfora.
As caras queimadas, escondem nas rugas as cicatrizes dos joelhos e cotovelos encaixados com veemência e rigidez, no calor dos bhats, das luzes, do alcool e das mulheres. Mais de cento e setenta combates. Olhos vazios, vidrados lá atrás, nas vitórias e em Bangkok, bastante longe do que é Koh Tao e da rotineira vida de treinos, pautada pelo estrangeiros que aparecem para descobrir ou aprofundar a arte das oito armas. Uns conseguiam disfarçar a frustração, outros descarregavam-na no treino, alguns nem uma coisa nem outra, estavam-se bem a cagar. Tive sorte com o treinador. Franzino, mas "me, strong strong, dedicado ao ensino e com bastante sentido de humor. Um Nelson longe de casa.
Sete e um quarto e já não consigo dormir. A excitação domina-me. Mais um treino matinal, mais um pequeno almoço à meia noite de Portugal continental, mais uma ida ao purgatório. Corda, aberturas, sombra, plastron, plastron, plastron, água, plastron, toalha e água, sparring, alongamentos. A intensidade do treino, conjugado com a humidade e temperatura, eram capazes de verter dois litros de suor. Eram pelo menos dois litros de água de manhã somados a outros dois da parte da tarde. Sempre a dar bita, e a tentar aproveitar o ensinamento e a oportunidade. Os nós das mãos já estavam esfolados, mas as pancadas tinham de ser fortes, no sítio, sem hesitar. Era para isso que estavamos ali, para ficar parado e tranquilo ficava em casa a atirar cavacos - estava dentro, tinha de levar com eles. Sorriso na boca, canelas massacradas, ombros doridos, e pé ante pé, o percurso ia sendo feito com a pacatez do dever cumprido, e da certeza que este periodo faria parte da memória. A paragem para comprar o mixed fruit shake, a azafama controlada da única rua com comércio e coisas que se vissem em toda a ilha, a chegada à SB Cabana, e, entre a madeira com fraco verniz, empilhada em forma de cabanas viradas para o mar, via um braço a dizer adeus, um vulto que sorria lá ao fundo, meio dentro meio fora, à filme, em foque perfeito de manhã, em contraluz ao final do segundo treino do dia, como manda a regra das cenas em câmara lenta e em contraluz que hollywood tão bem domina.
E era assim, que na água, pedia à Ana para não dar pancadas - nem na brincadeira - nas canelas, para poder guarda-las para mais sessões nos dias que se seguiam, com a água salgada a sarar hematomas.
Era bom demais, rotineiro e pacato demais, para quem tinha andado tipo salta pocinhas, em paragens de um ou dois dias, durante três semanas, mas uma semana de interregno total, entre as idas aos treinos e as tardes passadas na água, entre corais e a areia argilosa, trouxeram a tranquilidade que faltava.

Linda Martini - Volta








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